segunda-feira, 12 de abril de 2010

Seo Mário Travaglini, o economista



Excepcionalmente, não falaremos agora de Economia. Ou melhor, a história a seguir tem sim um viés econômico, já que o personagem central é economista, formado pela primeira turma da PUC de São Paulo. Trata-se do seo Mário Travaglini, que tem um rica história como jogador e treinador de futebol e praticamente inventou o cargo de supervisor, no Palmeiras, função hoje imprescindível em qualquer clube profissional do mundo. A formação de economista acabou sendo útil quando ocupou cargo gerenciais no futebol. Seo Mário, paulistano do Bom Retiro e hoje morador da Pompeia, foi supervisor da seleção brasileira na Copa de 78, na Argentina, uma competição marcada pela presença dos militares argentinos no poder e jogos polêmicos, principalmente o suspeito Argentina 6 x Peru 0.
A conversa com seo Mário não foi uma entrevista formal e por isso peço sua autorização para relatar um pouco do que ouvi. Na verdade, o papo ocorreu hoje na barbearia do João, na Pompeia, num cenário que poderia muito bem servir ao filme Boleiros, de Ugo Giorgetti. Travaglini foi um bom jogador, mas foi como técnico que ele se destacou na carreira. Sem falsa modéstia, ele ressaltou que foi a sua geração de treinadores - citou Osvaldo Brandão (um pouco mais velho que ele) e Rubens Minelli - como aqueles que deram o alicerce para o atual prestígio - e salários - dos técnicos brasileiros. Justíssima sua análise: a figura dos treinadores era pouco valorizada até então, a ponto de circularem histórias - a maioria, folclóricas - como a de Vicente Feola, técnico campeão da Copa de 1958, dormindo no banco de reservas.
Seo Mário aproveitou o dia de aparar os cabelos para reencontrar um velho conhecido, dentista na Pompeia, e vizinho da barbearia. Pela conversa que ouvi - estava cortando o cabelo com o João - Travaglini é muito amigo da família e conhece o pai do dentista desde a infância (ou juventude). Confesso que fiquei com um ponta de inveja quando eles contaram histórias da antiga várzea paulistana, que incluiram um time chamado Sereno, nome que fazia alusão às preferências boêmias dos seus integrantes. Entre os muitos causos, destaque para as façanhas de Barbirotto (pai do atual treinador de goleiros do Santos), dublê de futebolista e boxeador, que teria nocauteado um goleiro adversário de "uns 5 metros", após um discussão iniciada com a agressão de outro jogador adversário ao roupeiro do Sereno - "manco", lembrou - que teria retido a bola na lateral. João, o barbeiro, ressaltou os "muito cantores" que brilharam no time varzeano. Agostinho dos Santos, que ganhou destaque com o papel principal de "Orfeu do Carnaval", de Marcel Camus - e foi precursor da Bossa Nova, destacou João - foi lembrado com saudade. Amigo de Travaglini, eles tinham a mesma idade (nasceram em 1932), mas o cantor teve um fim trágico: estava no avião da Varig que se espatifou no Aeroporto de Orly, em Paris, em 1973.
Após ter meu cabelo cortado, ainda engatei um final de conversa com Seo Mário sobre a Copa de 78. Ele descreveu o enorme clima de tensão provocado pelo interesse da ditadura militar argentina em vencer a competição em casa. Segundo ele, um fotográfo "japonês/brasileiro" teria desaparecido após ousar fotografar os soldados argentinos que vigiavam a seleção brasileira. Mas a história mais incrível ficou para a noite do jogo em que o Brasil derrotou o Peru por 3x0, já no hotel: Travaglini descreveu o estouro de um explosivo próximo ao hotel. O curioso é que foi o então técnico da Seleção, Cláudio Coutinho, que identificou que "não se tratava de uma bomba comum". Explica-se: Coutinho tinha a patente de capitão do exército, assim como outros integrantes da seleção - o presidente da CBF era o almirante Heleno Nunes. O técnico mandou chamar outros integrantes do staff da seleção - também militares- para averiguar o ocorrido e mandou apagar as luzes do hotel. Seo Mário não sabe até hoje se a explosão possa ter ocorrido em razão de alguma tentativa de intimidação da seleção canarinho, mas o resultado da Copa é sabido: a Argentina acabou ganhando a competição, numa final estranha contra a Holanda que, aliás, preferiu voltar para casa sem receber as homenagens de vice-campeã, lembrou o ex-supervisor da seleção.
Travaglini tem dificuldade em lembrar de outro jogador de sua geração com formação universária. Puxando pela memória, lembrou de um jogador "boa pinta", dentista, que foi jogar no Rio de Janeiro e ganhou um beijo, em pleno campo, da vedete Virginia Lane. Mas os
tempos eram mesmo outros: os pais não gostavam que as filhas namorassem jogadores de futebol, considerados jovens sem futuro . "Hoje as mães jogam as filhas em cima dos jogadores", destaca o vitorioso treinador.
Seo Mario precisava ir embora e eu também tinha compromissos. Não deu tempo de perguntar a ele como conseguiu ser o único técnico paulista a vencer de fato no Rio de Janeiro: ganhou o campeonato brasileiro de 1974 com o Vasco e foi campeão carioca de 1976 com o Fluminense. Ou qual foi a fórmula para, em 1966, desbancar o Santos de Pelé e levar o campeonato paulista de 1966 com o Palmeiras. Ou como foi a conquista da Taça Brasil de 1967 (equivalente ao atual campeonato brasileiro) com o mesmo Palmeiras, tendo como improvável vice o Naútico. Ou ainda sua experiência na Democracria Corintiana nos anos 1980. Com um time recheado de craques como Socrátes, Zenon e Casagrande, que foi lançado por ele no futebol. Sua amizade com Waldemar de Brito, técnico que descobriu Pelé. Ou ainda sua gestão como presidente como presidente do Sindicato Paulista dos Treinadores de Futebol. E mais, muito mais. Fica para as próximas, Seo Mário.

















Um comentário:

  1. Oi, For. É Célia Froufe quem escreve aqui. Fiquei sabendo do seu blog pelo Chico e quero acompanhá-lo a partir de agora. Também montei um recentemente, mas não é bem para "o público externo". É para minha mais recente nomeação: a de ser madrinha de meu sobrinho, que ainda nem nasceu. Estou, portanto, na sua cola a partir de agora! Bjos procê e pra Irene.

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