terça-feira, 13 de abril de 2010

Recall: quando o mercado manda


Está virando rotina: agora foi a montadora francesa Citroën que anunciou o recall dos modelos C4 Pallas, 2009/2010. De acordo com a empresa, o problema é na direção assistida dos veículos, fabricados na Argentina. Em casos extremos, o defeito pode causar acidentes graves. Quem possui um desses modelos com certeza não deve ficar nada contente e tem bons motivos para isso. Afinal, você não paga caro por um carro para depois ter que perder tempo para consertar um defeito que, afinal, a montadora já deveria ter apurado antes de colocar os automóveis na rua. A sua opinião com relação à marca , no mínimo, passa ser menos simpática. E o pior é que quase todas as montadoras também anunciaram recalls recentemente, ou seja, não dá para encarar como um caso isolado. Mas, aborrecimentos à parte, há um lado bem positivo na série de chamados públicos das montadoras para o conserto de defeitos de fabricação.
Não há pesquisa que indique que automóveis dão mais defeito que qualquer outro produto industrializado, mas são raros os casos em que um fabricante admite um problema geral e chame os consumidores em bloco para resolver a questão. Será que as montadoras tratam melhor seus consumidores, já que são itens de alto valor agregado, comparando-se com outros artigos de consumo ? Pode até ser, mas imóveis tendem a custar mais que automóveis e não são incomuns os casos de prédios entregues com defeitos estruturais aos moradores. Comum é a dificuldade de convencer uma construtora a resolver rapidamente o problema, e sem qualquer custo para o comprador. Na realidade, as montadoras vendem um tipo de produto que torna mais delicada a relação delas com seus clientes.
Exemplo: o que aconteceria se. dois meses depois de comprar um computador, ele simplesmente deixasse de funcionar sem motivo aparente, quando estamos trabalhando em algo importante ? Uma enorme irritação, por causa do seu trabalho perdido, mas dificilmente alguém morreria por isso, certo ? Bem, transfira o problema para, digamos, um veículo, comprado há 60 dias, trafegando em alta velocidade numa via expressa paulistana que, do nada, apresentasse problemas graves no momento de frear. É quase certo um acidente e, muito provavelmente, com gravidade. E num veículo que, em tese, deveria funcionar impecavelmente. Há, portanto, uma diferença fundamental, pode-se dizer de vida ou morte.
Para o bem e para o mal, automóveis são produtos tremendamente expostos ao grande público, até por serem símbolos de ascenção social ou status, notadamente em economias emergentes, como o Brasil. Apenas para ficar no ramo automobilístico: não há recalls de caminhões e ônibus, ou apenas ninguém os nota ? Carros são objetos de consumo que, sobretudo se forem novos, projetam para o seu comprador uma imagem de perfeição. "Como pode meu carro zerinho quebrar desse jeito ?", questiona o consumidor, justamente indignado. E as propagandas das montadoras não se cansam de sugerir essa projeção de infabilidade.
Montadoras que postergam a resolução dos defeitos tendem a pagar caro por isso. E não apenas em possíveis processos de clientes. A imagem do veículo e da empresa leva um prejuízo difícil de recuperar. A maior montadora do mundo, a Toyota, não tem sofrido críticas pesadas apenas por conta dos defeitos em uma série de modelos. A companhia japonesa - que cresceu projetando uma imagem de excelência - demorou no início a admitir os problemas com seus carros e depois foi obrigada a se desculpar publicamente.
Um outro caso, agora no Brasil: o banco traseiro do Fox, da Volkswagen, que prendeu dedos dos usuários (!!!) ao ser rebatido. Ocorreram acidentes graves como o do técnico em química Gustavo Funada, dono de um Fox 2004, que teve o seu dedo decepado. O problema teria ocorrido por conta do uso indevido do sistema, mas não havia alerta no manual do proprietário sobre isso. A empresa mudou posteriormente o manual, mas ficou devendo uma explicação melhor a seus clientes.
Claro que o ideal, para os consumidores, seria uma melhoria geral do controle de qualidade das montadoras. Mas o fato é que os carros não ficaram piores. Há 30 anos, os motores quebravam com mais frequencia , as borrocharias viviam cheias, a ferrugem destruia a lataria em pouco tempo e, numa colisão, a possibilidade dos carros se desmacharem e matarem os passageiros era muito maior. Quem mudou, de verdade, foi o mercado e os consumidores. E é assim que deve ser.


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