sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Nordeste lidera demanda por financiamentos

Paulo Fortuna
Para o Valor, de São Paulo

A região Nordeste foi a que mostrou maior crescimento na demanda por crédito de pessoas físicas no Brasil no ano de 2010, de acordo com levantamento realizado pela Serasa Experian. Enquanto nacionalmente a demanda subiu 16,4% , nos estados nordestinos a alta foi de 17,7%. Para dirigentes empresariais da região, a expansão do crédito é resultado do crescimento da economia dos Estados nordestinos, acima da média nacional, impulsionados pelos investimentos recebidos nos últimos anos e que se refletiram no aumento de renda e geração de empregos.

Em janeiro, a tendência foi ainda mais acentuada, já que o crescimento no Nordeste foi de 19,7% em relação ao mesmo mês do ano passado, enquanto a média nacional foi 12,9%. “Antigamente, os estados nordestinos eram os que mais sofriam com as crises. Mas na última crise internacional o Nordeste foi a região menos atingida e a primeira a dar uma resposta positiva”, afirma o presidente da Associação Comercial do Ceará, João Guimarães. No caso do Ceará, obras como a drenagem do porto de Mucuripe, que ampliaram o volume de cargas movimentadas, deram mais dinamismo à economia local, afirma.

Guimarães, que também presidente do Sebrae-Ceará, também destacou as obras Porto de Pecém, que incluem um novo espaço que será destinado à exportação de placas de aço produzidas na usina que deverá operar junto ao complexo portuário a partir de 2014. Guimarães acredita que o volume de empregos gerados por estes investimentos deve contribuir para que o comércio local mantenha níveis de crescimento elevado nos próximos anos.

O presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) de Recife, Eduardo Catão, destacou que o bom momento econômico de Pernambuco – “muito beneficiado pelo governo Lula”, que nasceu no Estado – ajudou a alavancar o comércio local. “As consultas ao SPC (Sistema de Proteção ao Crédito) no Recife cresceram 25% em dezembro sobre o mesmo período do ano passado”, afirma ele. Segundo ele, o varejo local teve dificuldade de contratar mão-de-obra no final do ano passado para atender o crescimento da demanda.

Catão acredita que a economia da Pernambuco também continuar a crescer com a chegada de novos investimentos, como a construção da fábrica da Fiat no Complexo Industrial e Portuário de Suape, com investimentos de R$ 3 bilhões e que deve gerar 3,5 mil empregos, além de atrair outras empresas para o Estado.

De olho no crescimento deste mercado consumidor, grandes redes nacionais de varejo estão dando prioridade para investimentos no Nordeste, destaca o
presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Natal, Amauri Alves da Fonseca Filho. A expansão dos grandes varejistas nacionais não ocorre somente com a abertura de novas lojas, mas também na compra de redes locais, destaca
Fonseca Filho, lembrando a compra do ano passado da rede de lojas Maia, com sede na Paraíba, pelo Magazine Luiza. Somente no Rio Grande do Norte, o investimento anunciado pela Luiza foi de até R$ 8 milhões. De acordo com ele, apesar do cenário positivo, já a comerciantes locais preocupados com a concorrência dos gigantes nacionais que chegaram recentemente.

Classes de menor renda impulsionam compras parceladas

Paulo Fortuna
Para o Valor, de São Paulo

Sem a alternativa de poder financiar as compras em várias prestações, seria muito mais difícil para a faxineira Josy Lira de Jesus equipar a sua casa, assim como para a estudante de enfermagem, Priscila de Assis, comprar um computador e para a manicure Scheila Moraes conquistar a tão cobiçada nova TV. A compra parcelada deu mais fôlego ao taxista Rafael Zimmer para bancar a demanda de roupas do pequeno Raul, de um ano. Essas pessoas compõem o universo de consumidores que fizeram crescer, em 2010, a procura por crédito em 16,4%, o que mostra a forte recuperação em relação a 2009, quando a demanda teve um recuo de 1,2%, de acordo com indicador da Serasa Experian.

Segundo a Serasa, a demanda por crédito subiu em todas as faixas de consumo, mas o crescimento foi puxado pelos consumidores com renda menor e que foram beneficiados com a diminuição da informalidade no mercado de trabalho e, com isso, tiveram mais acesso aos financiamentos. Entre os que ganham até R$ 500,00 por mês, por exemplo, a alta foi de 46,3% sobre 2009.

A possibilidade de financiar compras com cartão de crédito fez com que a faxineira Josy Lira de Jesus partisse para a compra de uma série de bens para a casa. Televisão, cama, colchão e computador foram itens adquiridos com o dinheiro de plástico, em “compras parceladas sem juros”, garante ela. Josy diz que conseguiu aumentar a compra de bens com uma mudança na estratégia de financiamento: a troca dos tradicionais carnês pelo cartão. “Comprando com o carnê, eu até conseguia um prazo maior, mas o juro era muito alto” diz ela, que ainda tem que equilibrar o pagamento de todas estas contas com itens como o aluguel.

O casal Rafael Zimmer, taxista, e Gláucia dos Santos, ascensorista, não tem gastos com aluguel, graças ao auxílio das suas famílias para comprar uma casa própria, mas recorreram ao crediário por conta de uma despesa extra: o nascimento de Raul, que completou 1 ano e 6 meses. “Essa foi a melhor forma que encontramos para bancar as constantes compras de roupa para uma criança desta faixa de idade”, diz Zimmer, lembrando que todos os gastos do casal são decididos em conjunto.

A manicure Scheila Moraes e o seu marido, o mecânico Lauro Rodrigues, optaram por financiamentos mais longos para adquirir novos bens. Tanto o primeiro computador da família quanto a moderna TV de LCD estão sendo pagos em 24 parcelas. Scheila reconhece que o prazo de pagamento é longo e os juros são altos, mas acertou com o marido que, enquanto as prestações não forem quitadas, o casal não vai assumir nenhum outro compromisso financeiro pesado.

O gráfico Everton Corrêa e a estudante de enfermagem Priscila de Oliveira, casados há um ano, já tinham a casa montada, mas faltava um item importante: o computador. “Não há como cursar a faculdade atualmente sem ter um computador em casa. Até os trabalhos têm ser entregues pela internet”, diz Priscila. Como o pagamento à vista iria onerar demais o orçamento do casal, a solução foi parcelar em 12 vezes, com um cartão da bandeira da rede que vendeu a máquina. “Com um cartão de crédito comum, o prazo de pagamento seria menor e a prestação mais pesada”, explica Corrêa.

Mas as perspectivas para expansão do crédito em 2011 são mais modestas. O economista da Serasa Experian Carlos Henrique de Almeida lembra que o crescimento de 2010 ocorreu em cima da base de 2009 ainda afetada pelos efeitos da crise internacional. Ele destaca também que justamente onde houve maior crescimento de crédito, como na faixa de renda de até R$ 500,00 mensais, dificilmente a expansão será a mesma. “É uma parcela que estava praticamente à margem do sistema de crédito e passou a fazer parte do mercado. Mas a sua capacidade de endividamento é pequena”, ressalta Almeida.

Segundo dados da Serasa, já há sinais de desaceleração da expansão do crédito, ainda que num quadro de crescimento. Conforme o indicador da entidade, a quantidade de pessoas que procurou crédito cresceu 12,9% em janeiro de 2011 quando comparada com o mesmo mês do ano passado, ,mas esta foi a menor taxa de expansão anual dos últimos seis meses.

O economista aponta que o cenário geral é de crédito mais restrito neste ano. “Os juros estão mais altos, por conta das medidas de restrição ao crédito por parte do Banco Central e aumento da taxa Selic, além do crescimento da inadimplência”, afirma ele. De acordo dados da Serasa, a inadimplência do consumidor brasileiro cresceu 6,3% em 2010, na comparação com 2009. Em 2009, havia sido registrado um crescimento de 5,9% da inadimplência na comparação com 2008. Já em janeiro deste ano a alta foi de 24,8% sobre o mesmo período do ano passado, o maior crescimento anual desde julho de 2002. controle.

“A inadimplência responde por 32% do custo de formação do crédito e isso vai encarecer os financiamentos”, diz ele, ressaltando que no Brasil tradicionalmente o aumento da concessão de crédito é acompanhando de mais inadimplência. “Essa situação só poderá mudar quando for implantado o cadastro positivo, com a melhora da qualidade do crédito no País”, afirma o economista.

O especialista em crédito José Pereira da Silva, professor da FGV- EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), também acredita que os números relativos ao crédito para pessoas físicas em 2011 serão mais modestos do que no ano passado. Silva lembra que o aumento do crédito em 2010 ainda foi resultado dos estímulos do governo para combater os efeitos da crise em 2008 e 2009, mas a tendência atual é inversa, por conta da preocupação com a escala inflacionária. Silva ressalta que certamente a economia brasileira crescerá menos em 2011, com reflexos na geração de empregos e na formalização no mercado de trabalho, fatores que também ajudaram a impulsionar o crédito no ano passado.

Haroldo Torres, presidente da Plano CDE, empresa especializada em ações de mercado para os consumidores destas faixas de renda, acredita que os índices de endividamento no País ainda não são preocupantes. Para ele, os consumidores da classe E, que tiveram acesso recente ao crédito, têm pouca capacidade de se endividar e, com isso, menos chances de ficar inadimplentes. Segundo Torres,os maiores riscos estão entre os consumidores com renda mensal entre R$ 2 mil e R$ 3 mil que, simultaneamente, adquiriram nos últimos anos automóveis ou motocicletas, compraram imóveis - através de programas como o “Minha Casa, Minha Vida”, - e passaram a pagar ensino privado. “São pessoas que fizeram financiamentos de longo prazo e podem ter dificuldade em saldar todos estes compromissos nos próximos anos”, afirma ele.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A formação de uma rede

Por Paulo Fortuna
Revista Conselhos
Publicação da Fecomércio-SP

Mercado financeiro sólido, estabilidade política e econômica, respeito aos marcos regulatórios e taxas de crescimento acima da média global. Ingredientes como esses fazem com que a América Latina tenha tudo para promover uma rede de negócios integrada, e com o Brasil, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro, funcionando como o polo catalizador dessa integração. O cenário consta do primeiro relatório divulgado em dezembro pelo Brain (Brasil Investimentos e Negócios), entidade que tem entre seus integrantes a Fecomercio-SP. A divulgação do documento ocorreu na sede da entidade, na capital paulista.

O diretor-presidente do Brain, Paulo Oliveira, destaca que quadro desenhado na economia da região mostra que é possível mudar a situação atual em que grande parte das operações financeiras executadas por empresas latino-americanas se dão fora do continente, em praças como Nova York ou Londres, gerando custos adicionais e à redução das oportunidades de negócios locais. “A América Latina tem a oportunidade de configurar uma verdade rede multipolar, distanciando-se do modelo atual, radial, em que todos os polos locais dependem diretamente dos serviços oferecidos pelo grande polos globais”, afirma Oliveira.

Ele ressalta que os benefícios de uma maior integração extrapolam os limites do mercado financeiro e devem se estender a diversos setores da economia.
O executivo acrescenta que a formação de uma rede de negócios regional pode
beneficiar em especial as pequenas e médias empresas que, de outra forma, não teriam acesso ao mercado internacional.

O presidente da Fecomércio-SP, Abram Szajman, ressalta que a iniciativa do Brain pode contribuir para que, preenhendo essa lacuna no ambiente de negócios da região, São Paulo e Rio de Janeiro possam representar o mesmo que Hong Kong e Cingapura significam para a Ásia: o centro de uma região interconectada com conexões globais otimizadas com os demais centros financeiros regionais.

Szajman lembra que, em relação ao tamanho de sua economia, hoje a 8ª do mundo, o Brasil ainda tem uma participação modesta no fluxo comercial global. “A participação do País no comércio internacional está muito abaixo de nossas necessidades e potencialidades”, afirma o presidente da entidade.

O relatório do Brain destaca que a economia regional, diferentemente do que ocorria décadas atrás, a América Latina apresenta um grau de estabilidade propício para o desenvolvimento de novos negócios. O documento destaca que cinco países da região (Brasil, Chile, México, Colômbia e Peru) já receberam grau de investimento e que, em meio à crise financeira global, os bancos do continente permaneceram sólidos, apresentando níveis de capitalização e liquidez para enfrentar grandes desafios financeiros. Além disso, operam dentro de marcos regulatórios reconhecidamente melhor desenhados para evitar crises.

O crescimentos das economias latino-americanas acima da média global e dos países mais ricos e o fortalecimento dos mercados locais também são pontos destacados no relatório do Brain. O PIB combinado da América Latina é de US$ 3,5 trilhões, comparável ao da China e superior ao da Rússia, Índia e o Leste Europeu.

O Brasil é destaque por mercado interno em franca expansão, impulsionado pelo aumento de renda e pela ascenção de chamada “nova classe média” e por sua posição cada vez mais relevante no comércio internacional. Mas, destaca o documento do Brain, o País pode ir mais além. A Brain identifica três alavancas de oportunidade para que o Brasil continue expandindo seu posicionamento: crescimento ininterrupto do mercado local, apoiado pelo estímulo ao aumento de sua competitividade; reforço e a ampliação das conexões regionais dentro da própria América Latina; desenvolvimento de projeção e conexões globais.

Segundo Paulo Oliveira, em abril próximo o Brain deve divulgar um estudo sobre como a legislação dos mercados dos países da América Latina podem ser harmonizados, facilitando o processo de integração.

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que participou do lançamento do relatório da Brain, ressaltou que a combinação do crescimento sustentável com estabilidade econômica são fatores essenciais para o Brasil ter se tornado um polo preferencial de investimentos. Meirelles lembrou o País só conseguiu atingir esse patamar porque tomou medidas, ao longo dos últimos, para se precaver das crises financeiras.

Também há obstáculos a serem superados tanto pelo Brasil quanto pela América Latina para que seja implantada uma rede de negócios integrada. No documento,
a Brain destacou que os avanços passam pela criação de sistemas de pagamentos interligados, como ocorre no norte da Europa, e na formação de um mercado de capitais regional mais representativo e forte do que as bolsas locais individuais.

Outros desafios serão melhorar a malha aérea da região, que é pouco densa, e desenvolver uma infraestrutura mais integrada de transportes e de comunicação.
O Brain ainda destacou a necessidade dos países latino-americanos reforçarem os esforços para simplificar e harmonizar suas regulações. No caso brasileiro, as principais barreiras dizem respeito ao sistema tributário complexo, a excessiva burocracia e a disponibilidade limitada de profissionais em alguns setores essenciais.

Guilhermo Larrain, ex-superintentende de Valores, Seguros e Pensões do Chile e atualmente consultor da Brain destacou que a economia brasileira ainda é relativamente fechada ao mercado internacional e, justamente por isso, há grande possibilidade de aumentar a integração com outros países da América Latina. Larrian ressaltou que há um grande interesse do setor privado em avançar numa rede de negócios na região, até mais do que os governos locais. “O interesse das empresas são de um prazo muito mais longo do que o dos governos”, destacou Larrain.

Oliveira também avalia que já há uma grande disposição das empresas da região em estimular a integração regional, com a criação das multilatinas, multinacionais formadas com capital majoritariamente local com grande presença regional e internacional. “Uma rede regional mais forte na América Latina será fundamental para potencializar o crescimento local e garantir para as empresas condições favoráveis para se expandirem e se internacionalizarem”, diz. Ele lembra, por exemplo, o recente anúncio da fusão das operações da brasileira TAM e da chilena Lan, que possibilitará a criação de uma gigante regional no setor de aviação.

A integração da região também está evoluindo para o mercado de capitais. Em dezembro, foi assinado o acordo de cooperação com a bolsa chileno, Segundo o diretor presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto, o acordo prevê uma parceria na qual a bolsa brasileira contribuirá na promoção de iniciativas para fomentar o mercado local. Segundo o dirigente, que esteve presente à divulgação do relatório do Brain, o acordo pode evoluir para que papéis listados no mercado chileno sejam negociados na BM&FBovespa e vice-versa.

Conforme Edemir Pinto, a tendência é que acordos semelhantes sejam fechados pela BM&Bovespa com outras bolsas em 2011. As próximas devem ser as da Colômbia e do Peru, que estão em processo de integração.

De acordo com o presidente da Fecomércio-SP, o estímulo ao mercado de capitais pode ter efeito sobre toda a atividade econômica do País e da América Latina. “Acreditamos que a Brain pode e deve ter uma conseqüência semelhante ao que ocorre quando uma grande pedra é lançada no centro de um lago: seus efeitos vão muito além do impacto inicial – neste caso, o mercado de capitais – espalhando-se por ondas que movimentam toda a superfície da atividade econômica.