quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Luz Amarela

Paulo Fortuna
Revista da Indústria
Publicação da Fiesp

O interesse na compra de terras no Brasil por parte de empresas da China é mais um fator de preocupação nas relações comerciais com o país asiático. O principal alvo dos chineses são propriedades brasileiras para o plantio de soja, hoje um produto essencial na balança comercial entre os dois países. A China é o maior importador da soja brasileira. Mas, na avaliação do presidente do Conselho Superior de Economia (Cosec) da Fiesp, o ex-ministro Antonio Delfim Netto, há questões de ordem econômica e de soberania nacional que precisam ser avaliadas neste tipo de operação, principalmente porque a China, ressalta ele,está longe ser uma economia de mercado. Além disso, destaca Delfim,grande parte das companhias chinesas são estatais ou tem forte participação do governo em seu capital. “Essas empresas são o próprio estado chinês”, diz Delfim.

O ex-ministro da Fazenda ressalta que a China não tem recursos naturais suficientes para fazer frente aos seus elevados níveis de crescimento e, por isso, vem comprando terras na África e tenta fazer o mesmo no Brasil. “Os chineses compraram a África e estão tentando comprar o Brasil. O governo brasileiro deve ficar mais atento a essa questão. Um estado soberano não pode comprar terras em outro estado soberano”, afirma ele.

O interesse dos chineses se concentra principalmente no plantio de soja em estados como Tocantins, Bahia, Piauí e Mato Grosso. No ano passado, o Brasil exportou US$ 11,42 bilhões em soja, dos quais US$ 6,34 bilhões foram destinados à China, o equivalente a 55,5% dos embarques do produto.

O presidente do COSEC ressalta que não vê qualquer problema em empresas internacionais comprando propriedades no Brasil, já que a produção posteriormente seria sujeita às leis de mercado. Mas, no caso da China, o ex-ministro acha que no caso os preços desses produtos podem ser manipulados pelo governo chinês, de acordo com seus interesses econômicos. “Só há dois países que reconhecem a China como uma economia de mercado. Um é a própria China. O outro é o Brasil”, diz Delfim. O governo brasileiro reconheceu a China como economia de mercado em 2004, mas a Fiesp foi contrária a esse posicionamento.

O ex-ministro lembra que, nesta questão, ainda há o princípio de reciprocidade comercial. “A China não permite que estrangeiros comprem seus recursos naturais e limita as exportações de matéria-prima”, compara Delfim, ao citar medidas protecionistas do governo chinês em seu território.

Delfim também avalia que a compra de terras por parte de empresas controladas por outros governos é inconstitucional. Mas ele acredita que, como podem ocorrer interpretações diversas sobre este ponto, o ideal seria fazer uma emenda constitucional com regras mais claras disciplinando a questão.

O presidente do Conselho Superior do Agronegócio (COSAG) da Fiesp, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, acredita que a compra de terras no Brasil por empresas chinesas não representa grande ameaça aos interesses do País. Rodrigues lembra que essas empresas têm que se sujeitar à legislação brasileira sobre as propriedades agrícolas e também obedecer às regras do comércio internacional do País.

Rodrigues acrescenta também que essas companhias, ainda que tenham capital externo, acabariam gerando recursos para a economia brasileira. “Essas empresas têm que comprar adubos, fertilizantes e contratar serviços aqui no Brasil e isso acaba gerando riquezas”, acrescenta Rodrigues. Ele lembra ainda que o alto padrão tecnológico da agricultura brasileira exigira a contratação de técnicos locais para o desenvolvimento das propriedades.

O presidente do COSEC avalia que a presença de companhias chinesas na agronegócio brasileiro poderia, entretanto, gerar oportunidades para o Brasil exigir contrapartidas comerciais. “O Brasil poderia até permitir que os chineses exportassem soja para o seu País mas, em troca, exigiria, por exemplo, a abertura do mercado chinês de açúcar e álcool”, propõe Rodrigues.

O crescente interesse de companhias chinesas em investirem em terras no Brasil é confirmado pela advogada Heloísa Di Cunto, que chefia o departamento do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra responsável pela China. Segundo ela, o escritório foi procurado por companhias interessadas principalmente na região do cerrado brasileiro, para a produção de soja. A advogada diz que já foram fechados alguns negócios, mas não confirma o nome dos clientes, por razões de confidencialidade.

Di Cunto minimiza os riscos de essas empresas chinesas contrariarem os interesses comerciais do Brasil. “Essas companhias, apesar de terem capital externo, serão brasileiras e estarão sujeitas às regras do País”, diz ela.

As preocupações do setor empresarial e de outros segmentos da sociedade sobre a venda de terras para estrangeiros governo federal e no Congresso Nacional. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu limitar a compra de terras por estrangeiros e empresas brasileiras controladas por estrangeiros. O presidente assinou o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que restringe as aquisições de imóveis rurais por empresas que possuem pelo menos 51% ou mais de seu capital votante nas mãos de pessoas que não são brasileiras.

O parecer retoma as restrições da Lei nº 5.709, de 1971, que trata da participação do capital externo em propriedades rurais no País. Os efeitos da lei haviam sido suspensos um parecer da própria AGU, em 1994, que apontava que estas restrições contrariavam a Constituição promulgada em 1988 no que se referia
à diferenciação sobre capital estrangeiro e nacional. O novo parecer, no entanto, não anula os negócios que foram realizados posteriormente com base na interpretação da AGU de 1994.

O texto prevê que as empresas sob controle estrangeiro não poderão adquirir imóveis rurais que tenha mais de 50 módulos de exploração indefinida (entre 250 a 5 mil hectares, dependendo da região do país). As companhias também terão de se limitar à implantação de projetos agrícolas, pecuários e industriais que estejam vinculados a seus objetivos de negócio previstos em estatuto. As áreas rurais pertencentes a empresas estrangeiras não poderão ultrapassar 25% do município.
Órgãos como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) terão de seguir essas diretrizes ao analisar pedidos de companhias internacionais para comprar terras no Brasil.

Mesmo com o parecer do AGU, o governo ainda pode enviar outro projeto ao Congresso para atualizar a legislação de compra de terras por estrangeiros. A discussões em torno das propostas estão sendo coordenadas pelo Ministério da Casa Civil, com a participação de outros ministérios, como Agricultura, Desenvolvimento Agrário e Justiça. A assessoria de Casa Civil informou que não poderia comentar o que está sendo discutido, mas confirmou que o projeto chegar ao Congresso este ano.

O Senado está para votar outra que lei – que já foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados - que limita a participação do capital externo na compra de terras especificamente na Amazônia Legal, que engloba os estados do Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Mato Grosso, Pará, Amapá, Tocantins e parte do Maranhão. O projeto limita a 1.140 hectares o tamanho das propriedades rurais que podem ser compradas por estrangeiros nesta região.