domingo, 31 de outubro de 2010

Caça aos ilegais

Paulo Fortuna
Revista da Indústria
Publicação da Fiesp

A decisão do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex) de
regulamentar os mecanismos para coibir medidas antidumping, anunciada em 17 de agosto, foi uma vitória da Fiesp, que vinha alertando o governo sobre os indícios da fraude em setores como calçados, escovas de cabelo e pedivelas (peças de pedal de bicicletas) e reivindicando mais rapidez na extensão da punição por dumping aos outros países envolvidos na triangulação. Os principais suspeitos de usarem esta prática – conhecida como circunvenção - são fabricantes chineses afetados pelas normas compensatórias.

Anteriormente, quando havia suspeita de uma operação dessa natureza, era necessário abrir novos processos contra empresas que estariam vendendo produtos a preços muito abaixo do valor de mercado (dumping), que levam de 12 a 18 meses para serem concluídos. Com a regulamentação da lei que havia sido promulgada em 2008, as medidas de proteção poderão se estendidas mais rapidamente para os países que revendem essas mercadorias, desestimulando a triangulação.

O diretor titular do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Derex) da Fiesp, Roberto Giannetti da Fonseca, ressalta que assim que foram alvos de sobretaxa antidumping, a partir do final de 2007,alguns produtos tiveram a importação originada da China quase zerada e, no mesmo período, as exportações de outros países dos mesmos artigos tiveram altas expressivas.

Na inicio de agosto último, Giannetti levou ao Ministério da Fazenda documentos
com dados que apontavam para a circunvenção no Brasil e compararam as práticas de outros países como EUA, membros da Comunidade Europeia e Argentina, para punir a circunvenção. A Argentina, por exemplo, regulamentou a medida 23 dias após aprovar a lei contra esse tipo de fraude.

“Nós gostamos de concorrência e não somos contra as empresas chinesas
venderem seus produtos no Brasil, mesmo com a desvantagem que levamos por conta de fatores como a sobrevalorização do câmbio e a carga de impostos. O que a Fiesp não abre mão é de defender até o limite as nossas empresas contra atos de concorrência desleal, como o subfaturamento de preços e a falsificação de origem”, afirma o diretor titular do Derex.

Gianetti já encaminhou à Receita Federal pedido de investigação para vários produtos importados que podem estar burlando as medidas de proteção. Mas, ressalta ele, Fiesp também está acompanhando de perto a tramitação de projeto de lei no Congresso Nacional que classifica como crime de evasão fiscal a prática de apresentar um certificado de origem disfarçado. “Essas empresas que achavam que escapariam impunes da fraude terão suas mercadorias apreendidas e ainda pagarão multas vultosas”, destaca ele.

O setor de escovas foi protegido, a partir de 2007, por medidas contra as práticas desleais chinesas, mas também passou a enfrentar concorrência de fabricantes que, formalmente, são de Taiwan, que até então jamais havia sido um exportador importante do produto, ressalta o presidente do Sindicato da Indústria de Móveis de Junco e Vime e Vassouras e de Escovas e Pincéis no Estado de São Paulo (Simvep), Manoel Miguez. A medida determinou que a importação desse
desse produto originário da China passasse a ter a cobrança de alíquota específica de US$ 14,49 por quilo de mercadoria.

Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, compilados pelo Derex, mostram que a participação de Taiwan nas vendas de escovas para o Brasil era pouco maior que zero até 2007,mas subiram para 51% no ano passado. Enquanto isso, no mesmo período, a fatia chinesa cai de 78% para 21%.

“As fraudes na importações de produtos chineses foram facilitadas pela demora
em regulamentar a lei que impediria o uso de terceiros países para contornar medidas antidumping”, ressalta Miguez.

O presidente do Simvep acrescenta que os produtores chineses, independentemente das práticas desleais, já levam vantagem por trabalharem com custos muito menores do que as empresas brasileiras, por conta de desoneração das exportações, custos trabalhistas mais baixos e taxas de juros reduzidas. Mas, destaca ele, as empresas do setor seu setor têm procurado enfrentar a concorrência procurando inovar em seus produtos, como o
desenvolvimento de novos desenhos.

No caso do setor de outro setor afetado pela circunvenção, o de calçados, os exportadores da China teriam adotado principalmente três formas de fraudar o sistema antidumping, que incluiu a cobrança de US$ 13,85 por par de calçados importados daquele país. A primeira delas é a falsificação de documentos de origem. A segunda maneira é a montagem de calçados em terceiros países a partir de componentes produzidos na China, sem a observação dos mínimos de conteúdo nacional para a caracterização de produção deste terceiro país. Outra alternativa encontrada para fraudar a medida antidumping é a importação direta de “calçados desmontados” para serem finalizados no Brasil.

O coordenador do Comitê da Cadeia Produtiva de Couro e Calçados (Comcouros) da Fiesp, Wayner Machado da Silva, lembra que as medidas de proteção aos calçados brasileiros, aliada à recuperação do mercado interno, abriram perspectivas positivas para o setor no País, um cenário bem diferente do que poderia ocorrer se os exportadores chineses mantivessem a venda de produtos com dumping no Brasil. “Em cinco anos, os prejuízos para as indústrias brasileiras se tornariam irrecuperáveis”, afirma Silva. Por isso, segundo ele, foi importante a medida que estende o antidumping para países que praticam a triangulação comercial.

Conforme números do MDIC, entre março e novembro de 2008 foram importados 25,2 milhões de pares de calçados da China, contra 3,2 milhões de pares somados da Indonésia, Malásia, Tailândia e Vietnã. Em setembro de 2009, houve a imposição de direito compensatório provisório contra os calçados chineses e em março de 2010 foi aplicado o direito definitivo. Os dados mostram que entre setembro e maio do ano passado as compras provenientes da China e dos outros países asiáticos praticamente ficou empatada – 9,6 milhões de pares e 9,3 milhões, respectivamente.

Taiwan e Índia também não apareciam como exportadores significativos de
pedivelas para o Brasil até 2007, quando os fabricantes chineses, que respondiam por 79% das vendas, foram punidos por medidas antidumping. No ano passado, a fatia da China para 46%, enquanto Taiwan ficou com 37% do mercado e a Índia atingiu 15%. A sobretaxa para as pedivelas chinesas foi estabelecida em
US$ 1,56 por quilo.

Representantes de outros setores que enfrentam a forte concorrência dos produtos colocados a preços baixos no mercado brasileiro defendem medidas compensatórias, mas ressaltam que são necessárias várias ações para que
os fabricantes nacionais possam trabalhar com as mesmas condições oferecidas aos produtores da China.

“O ideal seria o governo reduzir a carga de impostos para o setor, principalmente os que incidem na folha de pagamento”, afirma o presidente do Sindicato da Indústria do Vestuário Feminino e Infanto-Juvenil de São Paulo e Região (Sindivest), Ronaldo Mesijah. Ele ressalta que, no setor de vestuário, que usa mão-de-obra intensiva, o custo com pessoal tem um peso bem maior do que em outros setores da economia.

O presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq)
Synésio Batista da Costa, defende que os produtos chineses vendidos no mercado brasileiro sejam submetidos aos mesmos impostos trabalhistas pagos pelas indústrias nacionais. “Há uma concorrência desleal entre fabricantes de um país que paga a sua mão-de-obra e outra que não paga”, afirma o dirigente empresarial. Na avaliação, ainda deveria haver aumento do Imposto sobre Produtos Industriais (IPI) e do imposto de importação para os fabricantes chineses de brinquedos. “As alíquotas de importação deveriam ser cobradas no teto máximo de 35% e não no patamar de hoje, de 20%, afirma ele.

Para ele, o governo deveria ser mais agressivo nas retaliações aos produtores
chineses, sem temer os riscos de conflitos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). “O Brasil não tem que se preocupar que as medidas possam pegar mal na OMC. O que pega mal é demitir os empregados no país e gerar empregos na China por conta da concorrência desleal”, afirma Batista.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

São Vicente espera salto no IDH com investimentos em saneamento

Paulo Fortuna
Para o Valor, de São Paulo

Primeira cidade a ser fundada no Brasil, São Vicente foi eclipsada ao longo dos anos pela vizinha Santos, maior e mais conhecida. Na área de saneamento, não é diferente. Enquanto Santos ocupa um honroso quinto lugar no ranking do setor elaborado pelo Instituto Trata Brasil com 81 cidades com mais de 300 mil habitantes, São Vicente fica no meio da tabela, em 29º lugar, ganhando apenas uma posição em relação ao anterior. Mas a prefeitura vincentina promete que até o final de 2011 vai ao menos empatar esse jogo.

A maior aposta é na ampliação da Estação de Pré-Condicionamento de Esgotos do José Menino da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que é responsável pelo tratamento e envio ao Emissário Submarino dos esgotos coletados na Ilha de São Vicente, onde estão as cidades de Santos e de São Vicente. A obra vai beneficiar o sistema de saneamento das duas cidades, mas em São Vicente, onde os índices de esgotamento sanitário são piores, o ganhos serão mais evidentes.

Hoje, 30% do esgoto coletado da cidade não é tratado e jogado in natura no mar e nos rios, o que prejudica a balneabilidade de algumas praias, como o Gonzaguinha, freqüentemente apontada como imprópria para banhos pela
Companhia Tecnológica de Saneamento Ambiental (Cetesb). “Ao final de 2011, todo o esgoto coletado será tratado e vamos devolver a balneabilidade para todas as nossas praias”, afirma o prefeito de São Vicente, Tércio Garcia.

O investimento na estação do José Menino faz parte do Programa Onda Limpa de Recuperação Ambiental, que prevê investimentos da ordem de R$ 1,23 bilhão em toda a Baixada Santista, com financiamento do Japan Bank for International Cooperation (JBIC) e a contrapartida da Sabesp. Em São Vicente, o programa também prevê ações como 4.700 ligações de esgotos na Vila Margarida, 4.097 no Bitaru e outras 2.964 no México 70.

O prefeito ressalta que os investimentos feitos na área da habitação, com a construção de casas populares em locais onde haviam moradias irregulares e ligações clandestinas de esgoto, também vão contribuir para melhorar os índices de saneamento.

Garcia avalia que, com os investimentos em saneamento, a cidade experimente um salto na qualidade de vida local. “Principalmente por causa do saneamento, Santos tem o 3º melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Estado de São Paulo, enquanto ocupamos a 172 º posição”, compara o prefeito.

Além de ganhos na saúde pública, Garcia destaca que a melhoria da qualidade das praias também deve incentivar o setor de turismo, atraindo um perfil de visitante com mais recursos para gastar na cidade. “Hoje não temos problemas em atrair visitantes, tanto que as praias ficam cheias nos feriados e finais de semana. Mas com a balneabilidade total das praias, podemos receber turistas mais qualificados”, diz Garcia, que espera também mais investimentos do setor privado na infra-estrutura turística de São Vicente. “Quanto o poder público faz a sua parte, o setor privado responde imediatamente”, espera o prefeito vicentino.

Em último lugar nos índices, Porto Velho terá R$ 112 mi do PAC

Paulo Fortuna
Para o Valor, de São Paulo

Porto Velho, em Rondônia, está na lanterna dos índices de saneamento básico da cidades brasileiras com mais de 300 mil habitantes. Em se tratando da coleta e tratamento de esgoto, os dados apontam que o serviço praticamente inexiste. Com relação ao fornecimento de água, os índices, como acontece na maior parte do Brasil, são menos dramáticos, atingindo 67% da população da cidade, que tem 382 mil habitantes. Como a responsável pelo saneamento no estado, a Companhia de Águas e Esgoto do Governo de Rondônia (Caerd), tem poucos recursos financeiros disponíveis, a grande aposta para reverter o quadro são os recursos federais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que começaram a chegar à Rondônia no ano passado.

A situação do saneamento em Rondônia é complicada até do ponto de vista legal.
Embora na prática o serviço de água e esgoto de água e esgoto em Porto Velho fosse prestado pela Caerd há décadas, ainda que de forma precária, apenas em setembro do ano passado a prefeitura local e a companhia controlada pelo estado assinaram contrato de concessão. O contrato tem vigência de 30 anos e coincidiu com a chegada de recursos provenientes do PAC, que prevêem abastecimento de água para toda a população e instalação de rede de esgotos para 75% da cidade.

Para Rondônia estão previstos R$ 476,3 milhões para ampliação do sistema de abastecimento, duplicação de adutora, estações de água tratada, reservatórios, ligações domiciliares. Via PAC/Funasa outros R$ 78 milhões, destinados ao abastecimento de água, saneamento em terras indígenas, melhoria na qualidade da água, drenagem, melhorias sanitárias domiciliares, entre outros serviçios.Para Porto Velho, o investimento do PAC é da ordem de R$ 112 milhões além da contrapartida da Prefeitura e do Governo de Rondônia.

A coordenadoria de engenharia da Caerd, Rosana Reis, reconhece que os serviços de coleta de esgoto (2% do total da cidade) e de tratamento (não há qualquer tipo de serviço) são altamente deficientes, mas aposta numa reversão do quadro até dezembro do ano que vem, com os recursos para as obras. “A capacidade de investimento da empresa é pequena, mas com esses recursos podemos universalizar não só o fornecimento de água, mas também a coleta e o tratamento de esgoto”, afirma, otimista.

Rosana Reis avalia que a atual carência infra-estrutura pode até funcionar como uma aliada na execução das obras. ”É muito mais fácil você construir um sistema de saneamento partindo do zero do que reformar uma rede antiga”, argumenta.

A coordenadora de engenharia acha que a cidade pode dar um grande salto em qualidade de vida com a expansão do esgotamento sanitário, principalmente com relação ao quesito saúde. Mas ela ressalta que está sendo realizado um trabalho social, junto à população, para mostrar a importância de ter uma ligação de esgoto nas casas.

“Como o serviço praticamente não existia, muitas pessoas não dão a devida importância e enxergam apenas como uma tarifa a mais que terão que pagar. Por isso, é necessário conscientizar os moradores”, explica.

Falta de esgoto eleva taxa de mortalidade infantil

Paulo Fortuna
Para o Valor, de São Paulo

A expansão do saneamento básico no Brasil pode ter como resultado direto a melhoria de diversos indicadores sociais do País, passando pela redução dos índices de mortalidade infantil e dos afastamentos do trabalho causados por doenças infecciosas. Mais água e esgoto para a população reduziriam também
os custos do Sistema Único de Saúde (SUS) com internações relacionadas a essas doenças.

“Não há como reduzir as taxas de mortalidade infantil sem melhorar a cobertura de saneamento básico”, afirma o pediatra Evandro Roberto Baldacci, professor livre-docente da Universidade de São Paulo (USP). De acordo com Baldacci, a deficiência na cobertura de água e esgoto é um componente central para os altos índices de mortalidade infantil no Brasil, sobretudo no Norte e Nordeste no Brasil.
“É um acinte a forma como a questão do saneamento tratada nestas regiões. Em Manaus estão construindo um estádio de R$ 400 milhões para a Copa do Mundo, enquanto a maioria da população não tem acesso ao saneamento”, destaca o professor.

Estudo realizado pelo Institute for Health Metrics and Evaluation e divulgado neste ano pela revista médica britânica The Lancet, apontou uma melhoria expressiva nas taxas de mortalidade infantil no Brasil, mas trouxe dados preocupantes quando mostram o quadro em áreas onde o saneamento é precário. A taxa caiu 61,7%, passando de 52,04 mortes por mil nascimentos em 1990 para 19,88 mortes por mil nascimentos em 2010, mas no ranking de estados com maior índice as oito primeiras posições são de unidades do Nordeste, onde o saneamento tem desempenho abaixo da média nacional.

Dados do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS), do final de 2008, mostram que 57% dos brasileiros não têm acesso ao esgoto coletado. Os estados com maior déficit são Piauí (com 97,49%), Amapá (96,44%), Rondônia (96,2%), Pará (95,1%) e Maranhão (88,63%).

De acordo com Baldacci, enquanto no Norte/Nordeste 25% da mortalidade infantil está relacionada a doenças diarréicas, no Sul/Sudeste o índice é de 10%. “Essa diferença está diretamente relacionada à melhoria dos serviços de saneamento”, diz ele.

Segundo o professor, uma criança numa área urbana na região Nordeste tende a apresentar uma média de seis episódios de doenças diarréicas por ano, enquanto que numa área rural o número sobe para oito. “Em São Paulo, a média de ocorrências é de 1,6 ano ao ano, um número melhor até dos que nos Estados Unidos, embora ainda abaixo dos países nórdicos”, afirma Baldacci.

Estudo realizado pelas pesquisadoras do Departamento de Saúde Ambiental da USP, Maria Tereza Razzolini e Maria Günther, intitulado “Impactos na Saúde das Deficiências de Acesso a Água" apontou que quase 80% dos casos de febre tifóide e paratifóide, 60% a 70% dos casos de tracoma e esquistossomose, além de 40% a 50% das doenças diarréicas e outras parasitoses, poderiam ser evitadas com a implantação adequada de saneamento ambiental no Brasil.

As pesquisadoras estudaram uma área de invasão na Grande São Paulo, próximo a um manancial, onde não existe uma rede de água e esgoto pública em funcionamento. Ou seja, mesmo numa região mais rica, a questão do saneamento pode ser problemática. De acordo com a pesquisadora Maria Tereza Razzolini, na falta de rede de esgoto, os moradores da área recorriam a fossas improvisadas, que fatalmente provocavam contaminações e contribuíam para pior a saúde local da população.

A pesquisadora avalia que os aumentos dos investimentos na área de saneamento no País são importantes na melhoria de qualidade de vida da população, mas a questão também deve ser tratada de forma abrangente, como política pública . “A política de saneamento deve levar em conta outros fatores, como por exemplo, a questão da habitação, já que nas áreas de moradias irregulares a população não costuma de ter acesso à água e esgoto”, diz Maria Tereza.

Estudo realizado pelo Instituto Trata Brasil mostra que a universalização da água e esgoto no País teria grande impacto no sistema público de saúde. De acordo com o estudo, num município de 100 mil habitantes sem saneamento, são esperados 450 casos de doenças gastrointestinais em um ano, número que cairia para 229 numa cidade do mesmo porte com água e esgoto universalizados.

Com base nesta comparação, o Trata Brasil conclui que a cobertura total reduziria o número de casos no País de 462 mil para 343 mil. Por ano, os gastos com internações no Sistema Único de Saúde (SUS) com essas doenças chegam a R$ 161 milhões, uma conta que não leva em consideração, por exemplo, o que o paciente gasta com remédios.

O estudo apontou que o custo anual estimado em horas pagas e não trabalhadas por conta de doenças relacionadas à falta de esgotamento sanitário é de R$ 547 milhões. Já considerados os demais fatores que interferem na frequência de afastamentos, a probabilidade de uma pessoa com acesso à rede de coleta de esgoto se afastar das atividades por qualquer motivo é 6,5% menor que a de um trabalhador com acesso a essa infra-estrutura, aponta a análise. No caso de afastamento por diarréia, a diferença é ainda maior: de 19,2%. O acesso universal à rede, conforme o estudo, faria esse custo cair para R$ 238 milhões por ano.

Cobrança por uso da água avança de forma lenta

Paulo Fortuna
Para o Valor, de São Paulo

A cobrança pela utilização da água para o abastecimento e uso nos setores produtivos foi autorizada há 13 anos, quando foi aprovada a chamada Lei das Águas, mas a universalização das tarifas nas bacias hidrográficas do País ainda está distante. Até hoje, em rios de domínio da União, apenas as bacias do Rio Paraíba do Sul e dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí ( PCJ) na região Sudeste, estabeleceram uma cobrança sistemática nos últimos anos. A Bacia do São Francisco começou a cobrar dos usuários em julho último e a Bacia do Rio Doce deve implantar as tarifas em 2011. Atualmente existem 140 comitês de bacias hidrográficas em todo o país e 27 conselhos estaduais e do Distrito Federal.

Com relação aos rios de domínio estadual, a cobrança mo Rio de Janeiro começou em 2004 e já implementada em todas as bacias do estado. Em São Paulo, as bacias dos rios Paraíba do Sul e PCJ que pertencem ao Estado implantaram as tarifas em 2007, com base em mecanismos e valores semelhantes àqueles praticados nos rios de domínio da União. Em Minas Gerais, a cobrança foi iniciada em 2010 nas bacias dos rios Velhas, Araguari e Piracicaba/Jaguari, também seguindo os mecanismos definidos para os rios de domínio da União nestas bacias. A cobrança feita pela União engloba os rios e outros cursos d’água que englobam mais de um estado da federação. Quando a área fica somente dentro de um estado, a tarifa é estadual.

O pagamento pela utilização da água bruta nestes casos é feito por usuários que geram algum tipo de atividade econômica, como por exemplo, os irrigantes, o setor elétrico, as indústrias, empreendimentos de turismo e companhias de saneamento que usam ou retiram água de uma determinada bacia. Mas é isento de cobrança quem realiza captações de água que não ultrapassam a cinco metros cúbicos por dia.

Apenas na área da União, o valor arrecadado hoje fica em torno de R$ 80 milhões por ano, mas poderia chegar a R$ 500 milhões se fosse aplicada em todas as bacias de domínio nacional, calcula o presidente da Câmara Técnica de Cobrança pelo Uso da Água do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), Rodrigo Speziali.

De acordo com Speziali, a cobrança de tarifas com base na Lei das Águas avançou no Sudeste porque há mais “conflito de uso”, ou seja a demanda é elevada principalmente por conta do Produto Interno Bruto (PIB) mais elevado, com grande concentração de indústrias próximas às bacias.

O gerente de Cobrança da Agência Nacional das Águas (ANA), Patrick Thomas, lembra que a decisão da cobrança, conforme determina a legislação, é de responsabilidade das próprias bacias. Segundo ele, nem todas as bacias já ser organizaram para estabelecer as tarifas e, em muitos, a cobrança pode nem ser uma prioridade. “Na região amazônica, por exemplo, não faria muito sentido estabelecer uma cobrança agora”, exemplifica.

Thomas defendeu uma mudança nos valores nas tarifas atuais estabelecidas pelas bacia, que ele considera baixas. Para ele, tarifas mais elevadas não somente aumentariam a capacidade de investimento das próprias bacias, mas também ajudariam a disciplinar o uso da água. “Muitos usuários possuem outorgas de uso de água acima do que seria necessário. Com tarifas mais elevadas, com certeza o uso seria racionalizado, com ganhos para todo o sistema da bacia”, diz o gerente.

A racionalização do uso da água foi justamente o principal resultado da cobrança de tarifas nas bacias PCJ, destaca o coordenador geral da Agência de Água PCJ/Consórcio PCJ, Francisco Castro Lahóz. A tarifa começou a ser cobrada em 2006 – foi a segunda do País, após a Paraíba do Sul, de 2003 – e diversos usuários, afirma Lahóz, começaram então a investir na melhoria da gestão do uso da água, inclusive com estações de tratamento de esgoto.

Segundo o coordenador, antes de ser implantada, a cobrança foi discutida com os usuário e, inicialmente, abrangia somente 60% da tarifa e passou a 100% há dois anos. “Optamos por implantar a cobrança de forma paulatina, para que os usuários se acostumassem com a tarifa e se conscientizassem da importância do uso racional da água”, diz ele.

O sistema de tarifas exige o pagamento pela captação, pela água consumida e pela carga orgânica presente nos efluentes despejados. Segundo a tabela da Agência PCJ, a captação de água bruta superficial, o consumo de água bruta e o lançamento de carga orgânica DBO (demanda química de oxigênio) custam aos usuários, respectivamente, R$ 0,01 por metro cúbico, R$ 0,02 e R$ 0,10. O coordenador diz que há planos de rever estes valores no futuro, mas não há qualquer decisão tomada sobre a questão.

De acordo com Lahóz, a PCJ recebe tarifas tantos dos rios da área da União, quanto nos de São Paulo e Minas Gerais, embora, neste último caso, a tarifa só tenha começado a ser cobrada no ano passado e ainda seja insipiente. No total, a PCJ arrecada anualmente R$ 40 milhões, sendo R$ 17 milhões da área da União e o mesmo valor das tarifas estadual. O restante são os royalties pagos pelo governo do estado devido a áreas inundadas para a geração de energia elétrica.

De acordo com o coordenador, os recursos são utilizados principalmente em projetos voltados para melhorar a gestão das bacias PCJ. Por exemplo, a implantação de um sistema de monitoramento de acidentes, projetos para redução de perdas de água nas concessionárias de água e esgoto na região, além de cursos de capacitação na área de saneamento. Os recursos, reconhece Lahóz, são modestos em relação à necessidades de investimento de saneamento na área destas bacias, considerada “crítica” pela grande concentração industrial e com uma população que supera 5 milhões de pessoas.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Apoio a cientistas pode frear ilegalidades

Por Paulo Fortuna
Especial Valor Econômico
Biodiversidade

O Brasil ainda está longe de dispor de armas eficientes para combater a ação da biopirataria, que é a prática ilegal de exploração, manipulação, exportação e comercialização de recursos biológicos de um país a outro. Governo e pesquisadores concordam que é preciso aumentar cada vez mais a ação fiscalizadora contra os biopiratas, mas, ainda assim, isso atacaria apenas parte do problema. A solução apontada como a mais eficiente seria o País tomar a dianteira das pesquisas de sua biodiversidade, se antecipando aos estrangeiros. Mas neste campo também há enormes desafios, inclusive por conta das dificuldades impostas pelo atual marco legal do setor.

Há diversos casos de empresas internacionais que patentearam substâncias que são encontradas originalmente na Amazônia Legal brasileira e nos países vizinhos
Há patentes internacionais de componentes derivados da secreção da
phyllomedusa bicolorm, um tipo de rã, apelidada de “sapo Kambô”, encontrada na Amazônia. Na medicina tradicional dos indígenas do Brasil e do Peru, a secreção é usada para fazer a “vacina do sapo”, para afastar a má sorte com as mulheres e a caça. Pesquisas no exterior apontaram a presença da dermofina, um analgésico, e deltorfina, que pode ser aplicada no tratamento da isquemia.

No Canadá foi patenteado o rupununine, uma substância extraída das sementes do bibiri planta da Amazônia. A tribo Wapixana, de Roraima, utiliza esta substância como um anticoncepcional. As pesquisas canadenses indicaram que o produto pode ser usado para tratamento de tumores e Aids. Composições à base de óleo de copaíba foram patenteadas por companhias da França e nos EUA. O uso mais comum é o medicinal, sendo empregado como anti-inflamatório e anticancerígeno.

O nome açaí, fruta típica da Amazônia, estava registrado desde 2003 no Japão como marca de propriedade da empresa K.K. Eyela Corporation. Em 2007, o registro da marca foi cancelado por ordem do Japan Patent Office, após protestos do governo brasileiro. O mesmo aconteceu com outra fruta típica da região, o cupuaçu. A japonesa Asahi Foods tentou patentear o cupuaçu e ainda registrou em 2000 a marca “cupulate”, que é o chocolate feito com a amêndoa da fruta. Mas quatro anos depois o registro acabou negado pelas autoridades japonesas.

A organização não governamental Amazonlink, com sede em Rio Branco, no Acre, faz o acompanhamento das patentes internacionais de produtos derivados de substâncias originárias da Amazônia, mas admite que, em muitos casos,
não há como apontar até que grau a biopirataria se aplica aos detentores de patentes e marcas.

O presidente da Amazonlink, o aústriaco Michel Schmidlehner, entretanto, considera questionável o patenteamento por companhias internacionais de substâncias que são usadas tradicionalmente por comunidades amazônicas. Na sua visão, essas comunidades deveriam ser consultadas sobre o uso destes produtos.

“Os povos indígenas têm que opinar se querem ou não que essas substâncias sejam utilizadas pela indústria e, caso aceitem, de que forma poderiam se beneficiar da repartição dos seus recursos” afirma ele.

Não há números precisos sobre quanto o Brasil deixa de ganhar por não explorar de forma eficiente a sua biodiversidade e abrir caminho para que outros o façam, mas um relatório realizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em 2006, apontou que o valor poderia chegar à época a US$ 2,4 bilhões por ano. O cálculo do TCU levou em conta fatores como o faturamento total da indústria farmacêutica (US$ 300 bilhões), a parcela relativa à biodiversidade brasileira neste setor (já que o Brasil detém 20% das espécies reconhecidas) e considerando ainda os distintos percentuais de benefícios que poderiam ter sido negociados.

O estudo do TCU, que foi centrado na Amazônia, aponta deficiências na fiscalização tanto da Polícia Federal quanto do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). “A inexistência de expectativa de controle, tanto na saída de espécies para exportação, como no fluxo de pessoas e bagagens, favorece a saída ilegal de espécies e matéria genética, assim como a entrada de pragas”, aponta o relatório, que recomendou ao Ibama, por exemplo, que oferecesse treinamento aos funcionários para que pudessem aprimorar a identificação das
espécies, além de destacar mais gente para os aeroportos.

O TCU aponta, no documento, que o aprimoramento da fiscalização, ainda que necessário, não é capaz de coibir a biopirataria. Um dos pontos destacados no documento é mau aproveitamento de uma instituição criada justamente com o objetivo de desenvolvimento de bioprodutos, a Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA). Mas, sem personalidade jurídica própria, seu funcionamento era precário. O TCU recomendou que em 180 dias fosse definido um plano de gestão e um plano estratégico para o Centro.

O CBA tem um histórico de impasses, que começou com repercussão negativa do "acordo de bioprospecção", firmado em 2000, entre a empresa suíça Novartis e a Bioamazônia, organização social criada para colaborar com a implantação do Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (Probem/Amazônia) e do Centro. O acordo acabou suspenso por razões legais em meio a críticas, principalmente de pesquisadores brasileiros.

Desde 2002 o CBA passou a ser administrado pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), mas até hoje sua personalidade jurídica não foi definida. Em abril deste ano, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Comércio Exterior (MDCI), ao qual a Suframa é subordinada, encaminhou um documento à Casa Civil recomendando a transformação do centro em uma empresa pública. A proposta ainda está em análise na Casa Civil e, caso seja aceita, o governo devera enviar um projeto de lei ao Congresso para que seja autorizada a criação desta empresa.

Pesquisadores brasileiros reclamam das limitações impostas pela Medida Provisória 2.186/01, editada há nove anos, que estabelece condições para a coleta, acesso, transporte e remessa, repartição de benefícios, transferência de tecnologia, conservação e utilização do patrimônio genético nacional. De acordo com os pesquisadores, diversos aspectos da MP têm burocratizado e, em muitos casos, prejudicado o desenvolvimento biotecnológico brasileiro. Um dos principais motivos das reclamações é que qualquer coleta de planta ou inseto, por exemplo, tem que ser informada ao governo.

O professor titular e coordenador do programa de Pós-Graduação em Ecologia do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, Thomas Michael Lewinsohn, acha compreensível os cuidados tomados no País para tentar conter a biopirataria, mas ressalta que os cientistas brasileiros não estão reivindicando carta branca para realizarem suas pesquisas, mas sim condições de trabalho que possibilitem que o País avance no conhecimento de sua biodiversidade. “Os cientistas brasileiros não podem ser tratados como se fossem suspeitos de praticarem a biopirataria. A princípio, todos devem ser considerado inocentes e, se forem constatados atos ilegais, aí sim eles devem ser punidos”, afirma ele.
Lewinsohn ressalta que as restrições da MP dificultam o relacionamento dos pesquisadores do País com instituições estrangeiros, que seriam importantes para o avanço das pesquisas no Brasil. “É fundamental que o Brasil faça intercâmbio científico nesta área, mesmo porque não há conhecimento suficiente no País para dar conta do volume gerado pela nossa biodiversidade. Já ocorreram casos em que o Brasil ficou de fora de redes mundiais de pesquisa por conta destas dificuldades”, afirma ele.
O diretor do Departamento de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, Braulio Dias, garante que o governo melhorou os mecanismos de fiscalização da biopirataria , inclusive com a aprimoramento técnico dos fiscais do Ibama. Mas ele ressalta que o combate tem que ser travado em diversas frentes e não somente com repressão. “É impossível botar um fiscal atrás de cada árvore”, diz ele. Para o diretor, o País tem que investir no aproveitamento da sua biodiversidade e na criação de incentivos econômicos para que a população das regiões onde ficam os recursos, principalmente na Amazônia, sejam beneficiadas.

Dias admite que o marco legal existente hoje no setor, com a MP 2.186/01, não favorece os trabalho dos pesquisadores brasileiros e diz que o governo vai enviar ainda este ano ao Congresso Nacional um Projeto de Lei que deve reduzir a burocracia para o setor. De acordo com ele, o projeto – que está em fase final de análise na Casa Civil - deve estabelecer de forma mais clara, no que se refere à biodiversidade, o que é pesquisa básica e o que é aplicada e estabelecer mecanismos que facilitem a repartição dos recursos oriundos da exploração dos recursos.

Segundo ele, uma outra forma de combater a biopirataria é o estabelecimento de um marco global para a proteção da biodiversidade. “Não adianta o Brasil realizar ações para combater a biopirataria se em outros países não há regulação sobre a exploração destes recursos”, afirma, Dias afirma que o Brasil levará a proposta de uma regulação internacional à 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-10) das Organizações das Nações Unidas, em Nagoya, no Japão.

O diretor geral do Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (Inpa), Adalberto Luis Val, também acha que a ampliação da fiscalização, embora seja importante, não vai conter a ação dos biopiratas. “Sou contra botar uma cerca na Amazônia. O que nós temos que fazer é sair na frente dos estrangeiros na exploração da nossa biodiverisade”, afirma ele

O pesquisador lista uma série de dificuldades para combater o uso de recursos do Brasil por estrangeiros na região amazônica, até mesmo de ordem geográfica, como uma área pertencente a um país europeu, a Guiana Francesa. A Amazônia Legal brasileira inclui Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Rondônia e Tocantins e parte do estado do Maranhão. A região amazônica ainda se estende pela Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador, Suriname, Guiana e Guiana Francesa.

“Não temos como fiscalizar o que acontece em todo este imenso território espalhado por vários países. Além disso, como impedir que alguém capture um peixe da Amazônia que acaba indo para o mar ou uma ave que migre do Canadá para o Brasil e depois retorne para a América do Norte?”, questiona ele.

Ele ressalta que as pesquisas na região, que concentra a maior parte da biodiversidade brasileira, ainda estão muito aquém do que seria o mínimo necessário para estudar a biodiversidade local. Ele cita, por exemplo, que há apenas 10 especialistas em taxonomia vegetal (ramo da botânica que se ocupa da classificação das plantas) em toda a Amazônia legal brasileira. “É o tipo de especialista que é vital para a pesquisa da nossa diversidade. Tem que haver investimento não apenas na formação, mas também na fixação de pesquisadores na Amazônia”, acrescenta Val.

Apoio a cientistas pode frear ilegalidades

Paulo Fortuna
Revista da Indústria
Publicação da Fiesp

A decisão do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex) de
regulamentar os mecanismos para coibir medidas antidumping, anunciada em 17 de agosto, foi uma vitória da Fiesp, que vinha alertando o governo sobre os indícios da fraude em setores como calçados, escovas de cabelo e pedivelas (peças de pedal de bicicletas) e reivindicando mais rapidez na extensão da punição por dumping aos outros países envolvidos na triangulação. Os principais suspeitos de usarem esta prática – conhecida como circunvenção - são fabricantes chineses afetados pelas normas compensatórias.

Anteriormente, quando havia suspeita de uma operação dessa natureza, era necessário abrir novos processos contra empresas que estariam vendendo produtos a preços muito abaixo do valor de mercado (dumping), que levam de 12 a 18 meses para serem concluídos. Com a regulamentação da lei que havia sido promulgada em 2008, as medidas de proteção poderão se estendidas mais rapidamente para os países que revendem essas mercadorias, desestimulando a triangulação.

O diretor titular do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Derex) da Fiesp, Roberto Giannetti da Fonseca, ressalta que assim que foram alvos de sobretaxa antidumping, a partir do final de 2007,alguns produtos tiveram a importação originada da China quase zerada e, no mesmo período, as exportações de outros países dos mesmos artigos tiveram altas expressivas.

Na inicio de agosto último, Giannetti levou ao Ministério da Fazenda documentos
com dados que apontavam para a circunvenção no Brasil e compararam as práticas de outros países como EUA, membros da Comunidade Europeia e Argentina, para punir a circunvenção. A Argentina, por exemplo, regulamentou a medida 23 dias após aprovar a lei contra esse tipo de fraude.

“Nós gostamos de concorrência e não somos contra as empresas chinesas
venderem seus produtos no Brasil, mesmo com a desvantagem que levamos por conta de fatores como a sobrevalorização do câmbio e a carga de impostos. O que a Fiesp não abre mão é de defender até o limite as nossas empresas contra atos de concorrência desleal, como o subfaturamento de preços e a falsificação de origem”, afirma o diretor titular do Derex.

Gianetti já encaminhou à Receita Federal pedido de investigação para vários produtos importados que podem estar burlando as medidas de proteção. Mas, ressalta ele, Fiesp também está acompanhando de perto a tramitação de projeto de lei no Congresso Nacional que classifica como crime de evasão fiscal a prática de apresentar um certificado de origem disfarçado. “Essas empresas que achavam que escapariam impunes da fraude terão suas mercadorias apreendidas e ainda pagarão multas vultosas”, destaca ele.

O setor de escovas foi protegido, a partir de 2007, por medidas contra as práticas desleais chinesas, mas também passou a enfrentar concorrência de fabricantes que, formalmente, são de Taiwan, que até então jamais havia sido um exportador importante do produto, ressalta o presidente do Sindicato da Indústria de Móveis de Junco e Vime e Vassouras e de Escovas e Pincéis no Estado de São Paulo (Simvep), Manoel Miguez. A medida determinou que a importação desse
desse produto originário da China passasse a ter a cobrança de alíquota específica de US$ 14,49 por quilo de mercadoria.

Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, compilados pelo Derex, mostram que a participação de Taiwan nas vendas de escovas para o Brasil era pouco maior que zero até 2007,mas subiram para 51% no ano passado. Enquanto isso, no mesmo período, a fatia chinesa cai de 78% para 21%.

“As fraudes na importações de produtos chineses foram facilitadas pela demora
em regulamentar a lei que impediria o uso de terceiros países para contornar medidas antidumping”, ressalta Miguez.

O presidente do Simvep acrescenta que os produtores chineses, independentemente das práticas desleais, já levam vantagem por trabalharem com custos muito menores do que as empresas brasileiras, por conta de desoneração das exportações, custos trabalhistas mais baixos e taxas de juros reduzidas. Mas, destaca ele, as empresas do setor seu setor têm procurado enfrentar a concorrência procurando inovar em seus produtos, como o
desenvolvimento de novos desenhos.

No caso do setor de outro setor afetado pela circunvenção, o de calçados, os exportadores da China teriam adotado principalmente três formas de fraudar o sistema antidumping, que incluiu a cobrança de US$ 13,85 por par de calçados importados daquele país. A primeira delas é a falsificação de documentos de origem. A segunda maneira é a montagem de calçados em terceiros países a partir de componentes produzidos na China, sem a observação dos mínimos de conteúdo nacional para a caracterização de produção deste terceiro país. Outra alternativa encontrada para fraudar a medida antidumping é a importação direta de “calçados desmontados” para serem finalizados no Brasil.

O coordenador do Comitê da Cadeia Produtiva de Couro e Calçados (Comcouros) da Fiesp, Wayner Machado da Silva, lembra que as medidas de proteção aos calçados brasileiros, aliada à recuperação do mercado interno, abriram perspectivas positivas para o setor no País, um cenário bem diferente do que poderia ocorrer se os exportadores chineses mantivessem a venda de produtos com dumping no Brasil. “Em cinco anos, os prejuízos para as indústrias brasileiras se tornariam irrecuperáveis”, afirma Silva. Por isso, segundo ele, foi importante a medida que estende o antidumping para países que praticam a triangulação comercial.

Conforme números do MDIC, entre março e novembro de 2008 foram importados 25,2 milhões de pares de calçados da China, contra 3,2 milhões de pares somados da Indonésia, Malásia, Tailândia e Vietnã. Em setembro de 2009, houve a imposição de direito compensatório provisório contra os calçados chineses e em março de 2010 foi aplicado o direito definitivo. Os dados mostram que entre setembro e maio do ano passado as compras provenientes da China e dos outros países asiáticos praticamente ficou empatada – 9,6 milhões de pares e 9,3 milhões, respectivamente.

Taiwan e Índia também não apareciam como exportadores significativos de
pedivelas para o Brasil até 2007, quando os fabricantes chineses, que respondiam por 79% das vendas, foram punidos por medidas antidumping. No ano passado, a fatia da China para 46%, enquanto Taiwan ficou com 37% do mercado e a Índia atingiu 15%. A sobretaxa para as pedivelas chinesas foi estabelecida em
US$ 1,56 por quilo.

Representantes de outros setores que enfrentam a forte concorrência dos produtos colocados a preços baixos no mercado brasileiro defendem medidas compensatórias, mas ressaltam que são necessárias várias ações para que
os fabricantes nacionais possam trabalhar com as mesmas condições oferecidas aos produtores da China.

“O ideal seria o governo reduzir a carga de impostos para o setor, principalmente os que incidem na folha de pagamento”, afirma o presidente do Sindicato da Indústria do Vestuário Feminino e Infanto-Juvenil de São Paulo e Região (Sindivest), Ronaldo Mesijah. Ele ressalta que, no setor de vestuário, que usa mão-de-obra intensiva, o custo com pessoal tem um peso bem maior do que em outros setores da economia.

O presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq)
Synésio Batista da Costa, defende que os produtos chineses vendidos no mercado brasileiro sejam submetidos aos mesmos impostos trabalhistas pagos pelas indústrias nacionais. “Há uma concorrência desleal entre fabricantes de um país que paga a sua mão-de-obra e outra que não paga”, afirma o dirigente empresarial. Na avaliação, ainda deveria haver aumento do Imposto sobre Produtos Industriais (IPI) e do imposto de importação para os fabricantes chineses de brinquedos. “As alíquotas de importação deveriam ser cobradas no teto máximo de 35% e não no patamar de hoje, de 20%, afirma ele.

Para ele, o governo deveria ser mais agressivo nas retaliações aos produtores
chineses, sem temer os riscos de conflitos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). “O Brasil não tem que se preocupar que as medidas possam pegar mal na OMC. O que pega mal é demitir os empregados no país e gerar empregos na China por conta da concorrência desleal”, afirma Batista.