segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A pauta do crescimento

Paulo Fortuna
Revista da Indústria
Publicação da Fiesp

As projeções do Indicador do Nível de Atividade (INA) da Fiesp apontam para um crescimento de 10,1% sobre 2009, quando a atividade industrial de São Paulo mostrou queda de 8%. A demanda doméstica foi decisiva para o resultado deste ano, mas os resultados poderiam ser ainda melhores se o setor de manufaturados não fosse afetado pelo cenário que reduziu a competitividade das exportações e ampliou as importações para o mercado brasileiro. O coeficiente de importação, que avalia o peso dos produtos importados sobre o consumo do País, já bateu seu recorde histórico.

O diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (Depecon) da Fiesp, Paulo Francini, destaca que a retomada do mercado interno foi decisiva
para o setor industrial se recuperar neste ano. “A combinação do aumento de renda com a expansão do crédito se reflete na geração de emprego e cria uma
maior demanda no mercado interno que é favorável à atividade industrial”, afirma Francini. O estoque de crédito, por exemplo, aumentou em termos reais 14,1% em agosto de 2010 quando comparado com o mesmo mês do ano anterior.

O diretor do Depecon lembra que a base de comparação é com 2009, quando muitos setores ainda mostraram os efeitos da crise financeira mundial. Francini
ressalta que o desempenho do setor industrial poderia ser ainda melhor não fosse o cenário desfavorável provocado principalmente pela sobrevalorização do real em relação ao dólar, que prejudicou a competitividade das empresas brasileiras.

“Há um sinal de alerta sobre o que pode acontecer em 2011”, destaca Francini,
Para que o processo de recuperação perdure no próximo ano, ressalta o diretor,
será essencial que o novo governo que se inicia em janeiro próximo enfrente, além do desequilíbio cambial, outras questões importantes que também afetam o desempenho do setor industrial. “A Selic permanece em níveis elevados e isso
continua a provocar uma migração de capitais para o setor financeiro”, exemplifica o diretor, que também citou a elevada carga fiscal que incide sobre o setor produtivo.

“Há uma guerra cambial em curso no mundo e o Brasil precisa repensar as suas estratégias”, acrescenta Francini. O diretor aponta que uma das medidas para conter a entrada de dólares no País – e reduzir a pressão sobre o câmbio – seria uma redução progressiva das taxas de juros básicos, que poderia conter o fluxo de capital externo especulativo. Mas, lembra Francini, seria necessário
que houvesse espaço fiscal para a adoção de medidas como essa, ou seja, o governo teria que controlar os seus gastos.

O diretor espera que próximo governo esteja atento sobre os riscos de desindustrialização por conta das políticas que prejudicam o setor. “Na nossa visão, o setor industrial é parte essencial do processo de crescimento do Brasil. Não há país no mundo que tenha se tornado grande sem a participação da sua indústria”, afirma Francini.

Desempenho

Dentre os 17 setores considerados pelo INA, o desempenho positivo em 2010
é esperado para 14 – Máquinas e Equipamentos, Veículos Automotores, Máquinas, Aparelhos e Materiais Elétricos, Metalurgia Básica, Produtos Metálicos, Artigos de Borracha e Plástico, Produtos Minerais não Metálicos, Móveis, Máquinas e Equipamentos para Escritório e Informática, Alimentos e Bebidas, Produtos têxteis, Equipamentos de Transporte, Celulose e Papel e Produtos Químicos.

O setor de Máquinas e Equipamentos é o que deve apresentar o maior crescimento em 2010, de 23%. Foi justamente o setor mais afetado pela crise no ano passado, em que produção caiu 24,4%. O reaquecimento da demanda doméstica alavancou as encomendas do setor, mas também houve uma contribuição importante de incentivos governamentais como o Programa de Sustentação de Investimento (PSI) do BNDES, que oferece condições financeiras mais favoráveis para a aquisição de bens de capital.

O setor de Veículos Automotores aponta para um crescimento de 16,6% para 2010. A isenção do IPI entre o final de 2008 e março de 2010 para os carros novos foi um grande fator de impulso para as vendas. No caso de caminhões e tratados, o incentivo foi prorrogado final de dezembro. Além disso, o crédito para aquisição de veículos em termos reais aumentou 35,5% em agosto de 2010 frente ao mesmo mês de 2009. O setor de Máquinas, Aparelhos e Materiais Elétricos é o terceiro no ranking de crescimento, com alta prevista de 15,6% .

Dentre os setores com previsão de queda na produção, destaque para o de Material Eletrônico e Equipamentos de Comunicação, um bem que passou a fazer parte da cesta de consumo das faixas de menor poder aquisitivo por conta do aumento da renda. A queda de 0,3% na produção ocorreu principalmente em razão da aceleração das importações de produtos da área. Seu coeficiente de importação aumentou de 26,1% para 44,6% entre 2003 e 2009, e o avanço dos produtos vindos de fora, em razão do câmbio, continua crescendo. No terceiro trimestre deste ano, o coeficiente ficou em 53,8%.

A redução prevista de 1,2% no setor de Coque, Refino de combustível e Álcool pode ser explicada principalmente pela alteração do mix de produção no setor de açúcar e etanol em São Paulo O aumento das exportações de açúcar refinado e em bruto deslocou a utilização da cana da produção de álcool. Por conta do declínio da oferta de etanol, o governo federal foi obrigado a reduzir
a mistura compulsória de álcool na gasolina em fevereiro deste ano.

Ameaças

O diretor-titular do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Derex) da Fiesp, Roberto Gianetti da Fonseca, alerta para os riscos de desindustrialização da pauta de exportações do País e para a crescente participação de produtos manufaturados importados no mercado doméstico. De acordo com dados do Derex, o déficit comercial em manufaturados atingiu US$ 51,9 bilhões até setembro, com importações de US$ 109,2 bilhões e exportações de US$ 57,4 bilhões. Segundo Gianetti, a previsão é de que o déficit possa chegar a U$ 65 bilhões em 2010 e, se nada for feito, o valor em 2011 poderia atingir US$ 80 bilhões.”O País assiste passivo à deterioração da nossa pauta de exportações”, afirma o diretor.

Gianetti destaca que o setor industrial vem alertando que os índices de
Coeficiente de Importação (CI) – cálculo que avalia o peso das importações sobre o consumo aparente no País - mostram tendência de alta constante já há alguns anos e, em sua avaliação, o governo não vem tomando medidas para reverter o quadro. No primeiro trimestre de 2006, o CI era de 15,5%, índice que no segundo trimestre de 2010 atingiu 20,7% e que nos três meses seguintes alcançou 22,7%, batendo o recorde histórico.

Números do Derex apontam que os importados vêm ganhando cada vez mais espaço nas vendas de produtos industrializados no mercado brasileiro. No terceiro trimestre do ano, enquanto o consumo aparente de manufaturados subiu 12,9%, a produção local teve alta de 7,9%, enquanto as importações cresceram 41,7%. “Quem está se beneficiando do aumento de consumo é o produto importado e não o nacional”, diz Gianetti.

O diretor também alerta para os efeitos negativos da reversão da pauta de exportações do País. Em 2010, após 32 anos, as vendas externas de produtos manufaturados serão menores do que a de produtos básicos. Dados da Fiesp indicam que os produtos básicos ficarão com 47% das exportações, enquanto os manufaturados chegarão a 38%. “A situação ficará igual a dos anos 30, quando o País dependia apenas do café. Agora será cana, soja e minério”, diz ele.

“Não tenho nada contra a exportação de commodities, mas são produtos cujos preços enfrentam uma grande volatilidade externa. Além disso, esses setores não capazes de gerar todos os empregos que o País precisa”, completa o diretor.

Gianetti destaca que a indústria nacional tem condições de competir com os artigos importados, desde sejam estabelecidas as condições de igualdade econômica que hoje não existem. Para reverter o quadro, Gianetti sugere ao novo governo da presidente Dilma Rousseff a adoção de uma “vacina tríplice”, que incluem medidas cambiais para elevar o risco do capital especulativo e, com isso, conter a sobrevalorização do real; a devolução em até um ano dos créditos tributários aos exportadores que, segundo ele, vem sendo postergada pelo governo federal, e a redução imediata dos tributos sobre investimentos em infraestrutura logística, que acabam encarecendo os custos para os exportadores.

No campo do incentivo às exportações, Gianetti defende que a Câmara de Comércio Exterior (Camex) seja fortalecida e ganhe maior representatividade dentro do governo. A proposta do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp é dar ao titular da Camex um status de ministro, diretamente indicado pelo presidente da República.

Gianetti acredita que a Camex carece hoje de maior estrutura, inclusive em relação ao quadro de funcionários, da mesma forma que o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), ao qual está vinculada.

Segundo Gianetti, o quadro desfavorável para a indústria nacional em relação aos importados fez com que muitas empresas nacionais, pressionadas pelos custos, abandonassem a produção local e passaram a ser importadores. Outras
companhias ampliaram o uso de componentes importados em suas linhas de produção. “O empresário faz isso por uma questão de sobrevivência. Este cenário leva ao fechamento de fábricas e aumento de desemprego”, afirma o diretor.

Futuro

O economista Douglas Uemura, da LCA Consultores,, avalia que o setor industrial deve continuar a crescer no ano que vem, mas num ritmo menos acelerado, acompanhando a curva de aumento do Produto de Interno Bruto (PIB). Segundo estimativa da LCA, o PIB deve fechar em 7,2% de alta em 2010 e de 4,5% no ano que vem. “A demanda interna deve continuar aquecida em 2011, mas num ritmo de crescimento mais moderado, até mesmo porque 2010 foi um ano de recuperação da economia”, destaca o economista.

Uemura também vê com preocupação o aumento das importações de manufaturados, mas ressalta que há outras fatores, além do câmbio, que prejudicam a competitividade brasileira, principalmente em setores como eletroeletrônicos. “São necessários mais investimentos em pesquisa e inovação tecnológica para que o Brasil não continue a perder mercado para outros países que têm se destacado nestas áreas, principalmente os asiáticos”, diz ele.

O economista André Sacconato, da Tendências Consultoria Integrada, também aponta a questão do câmbio como essencial para o desempenho da indústria nacional, mas avalia que há pouca margem para o governo mudar esse cenário e acha que outras medidas específicas devem ser adotar para ampliar a competitividade do setor.

“Câmbio é preço e isso afeta os setores exportadores e facilita as importações. Mas o que há para fazer com relação a isso, o governo já tem feito. Qualquer medida mais efetiva para controlar o câmbio pode ter mais efetivos negativos que positivos, pois isso pode afastar os investimentos externos”, diz Sacconato.

O economista defende que o governo incentive os investimentos em infraestrutura, ampliando as concessões de rodovias, portos e rodovias, áreas em que o setor público, lembra ele, não tem mostrado capacidade para investir e gerenciar sozinho. “Com certeza, até por conta da conjuntura favorável ao Brasil, haveria interesse do mundo inteiro em investir nestes setores, o que daria grande impulso a diversas áreas da indústria”, destaca Sacconato

Ele lembra que a proximidade da Copa do Mundo de 2014 seria mais um motivo para reduzir as deficiências na infra-estrutura do País. “Não podemos correr o risco de um fiasco na Copa por conta de problemas com os aeroportos, por exemplo”, diz Sacconato.

Uemura também apóia mais investimentos em infraestrutura, não apenas para incentivar a atividade econômica, mas também para o País ganhar competitividade e enfrentar melhor a concorrência externa. “Estamos muito atrás em infra-estrutura, inovação tecnológica e educação e temos que investir nestes setores se queremos competir globalmente”, destaca ele.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Liderança hesitante

Revista Conselhos
Publicação da Fecomercio-SP
Por Paulo Fortuna

Ao tomar posse em janeiro, a presidente eleita Dilma Rousseff terá que como desafio não somente garantir, internamente, que o País mantenha uma rota de crescimento sustentável mas, no campo externo, terá que lidar com uma nova perspectiva de liderança num novo cenário em que os Brics – o grupo de formado por Brasil, Rússia, Índia e China – passaram a ter papel mais decisivo na orquestração global. Para especialistas presentes ao debate “Brasil como Potência Emergente; desafios e opções”, realizado pelo Conselho de Relações Internacionais da Fecomercio-SP em parceria com a Fletcher Scholl, dos Estados Unidos, é extensa a agenda de ações estratégicas a serem deflagradas pelo novo governo brasileiro. Todo o conteúdo desta reportagem foi extraído do evento ocorrido em 21 de outubro na sede da Fecomercio, na capital paulista.

Na avaliação do presidente do Conselho de Relações Internacionais da Fecomércio, Mario Marconini, apontou que as discussões sobre a industria, taxa de câmbio e a crescente invasão da indústria chinesa são pontos
centrais para o futuro da economia brasileira.

Ele também assinalou que o Brasil também deve procurar o seu próprio modelo de crescimento, que pode se diferenciar, por exemplo, do adotado por países asiáticos. “A Ásia também teve que aprender algumas lições que não precisamos aprender”, referindo-se às crises enfrentadas por países da região no passado recente.

O embaixador Rubens Barbosa, que liderou a missão brasileira em Londres e Washington, apontou que o País precisa de “mudanças profundas” para, de fato, exercer essa liderança. Segundo ele, a estratégia comercial adotada nos últimos oito anos pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, tendo o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, à frente, não foi a mais adequada, ao dar prioridade a acordos multilaterais e não bilaterais.

Barbosa avaliou que a estratégia de privilegiar as relações comerciais com novos mercados pode ter ajudado o Brasil por conta do cenário de crise nos EUA e na Europa mas, segundo ele, não é uma boa estratégia, a longo prazo, deixar em segundo plano as maiores economias do mundo. “Essa crise vai passar”, lembrou o embaixador, destacando que hoje os Estados Unidos respondem atualmente por menos de 10% das exportações brasileiras.

De acordo com o embaixador, é necessário que o Brasil também repense a questão da integração regional, ainda mais por conta de um novo fator cada vez mais preocupante: a China, que vem aumentando a sua influência econômica na América Latina, inclusive concorrendo com produtos brasileiros. “A China vem aumentando sua presença na região e disputa com o Brasil o espaço vazio deixado pelos EUA”, ressaltou Barbosa.

O embaixador destacou que exercer um papel de liderança, ainda que regional, não é uma tarefa tão simples. “Há muitas diferença entre os países da região e elas vão se acentuar ainda mais se o Brasil continuar crescendo nos mesmos níveis, lembrou Barbosa.

Ainda no cenário externo, o embaixador disse que País também precisa repensar as relações mantidas com países que não respeitam os direitos humanos - numa referência à aproximação entre a diplomacia brasileira e iraniana.

O Irã, lembrou Barbosa é um dos motivos para o estremecimento das relações entre o Brasil e os Estados Unidos, somando-se à disputa no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) por conta dos subsídios aos produtos de algodão americanos. O Brasil, após decisão da OMC, conseguiu o direito de aplicar contra-medidas a produtos dos EUA. Ocorreram negociações para adiar as sanções, mas elas não prosperaram. “Estamos no meio de uma crise nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos”, ressaltou o embaixador.
“É preciso repensar tudo para exercer um papel de liderança. Para isso, você tem que agir como líder e o Brasil não está agindo”, opinou ele.


Barbosa destacou a questão da competitividade do Brasil no cenário internacional que, segundo ele, depende de mudanças estruturais na nossa economia. Ele lembrou os altos custos enfrentados pelas empresas brasileiras que são gerados, por exemplo, pelas deficiências no sistema de infra-estrutura que encarecem os transporte de mercadorias. Investir em infra-estrutura é ainda mais fundamental por conta da realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas do Rio em 2016, destacou o embaixador.

O embaixador ressaltou que a questão cambial terá ser enfrentada pelo próximo governo, por conta da deterioração das exportações e das contas externas. Ele colocou ainda, como tópicos importantes, reduzir as despesas públicas e elevar o nível de poupança interna.


O debate foi mediado pelo presidente do Conselho de Relações Internacionais da Fecomércio-SP, Mario Marconini. Ele ressaltou que as discussões sobre a industria, taxa de câmbio e a crescente invasão da indústria chinesa são pontos
centrais para o futuro da economia brasileira.

Marconini também assinalou que o Brasil também deve procurar o seu próprio modelo de crescimento, que pode se diferenciar, por exemplo, do adotado por países asiáticos. “A Ásia também teve que aprender algumas lições que não precisamos aprender”, referindo-se às crises enfrentadas por países da região no passado recente.

Reformas

Já o presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setúbal, também presente ao simpósio, avaliou que reformas mais profundas não são tão necessárias ou urgentes, ao menos para sustentar o elevado crescimento econômico de 2010 pelos próximos anos. “Com microrreformas setoriais, o País pode manter o ritmo de 7% de avanço do Produto Interno Bruto (PIB) por um bom tempo”, destacou Setúbal, que comanda o maior conglomerado financeiro privado brasileiro.

Setúbal argumentou sobre a dificuldade prática de serem aprovadas no Brasil grandes reformas, como a tributária, trabalhista e política. “Essas reformas causariam discussões intermináveis e o País iria parar por meses. Ao final, poderiam nem alterar tanto as coisas”, destacou o executivo.

O presidente do Itaú Unibanco resssaltou que reformas que exigissem mudanças na Constituição exigiriam uma grande maioria no Congresso e o PMDB, que seria o fiel da balança, não é um partido que costuma ter posição única.

Setúbal preferiu ressaltar que medidas pontuais já tomadas no Brasil tiveram grande efeito prático, inclusive no setor financeiro. “Veja o caso da criação do crédito consignado, que produziu uma revolução em termos de crédito à pessoa física no Brasil", disse ele, que também citou como grande avanço a Lei das Falências. Ele ressaltou ainda que também não foi necessária uma reforma mais profunda para aprovar a Lei da Ficha Limpa, que barrou políticos condenados pela Justiça.

Sobre o novo papel de liderança do Brasil e dos Brics no cenário global, Setúbal demonstrou pouco otimismo. “O Brasil não está preparado para exercer essa liderança e os outros Brics também não”, opinou.

Potência

A vice-presidente do Banco Mundial para América Latina e Caribe, Pamela Cox, destacou que o Brasil terá que decidir qual será o papel que desempenhará num
cenário em que a hegemonia política e econômica, exercida há mais de um século pelos Estados Unidos e os países europeus, continuará se enfraquecendo, enquanto a liderança geopolítica passa a ser exercida pelos países emergentes, tendo os integrantes dos Bric - à frente.

Pamela Cox acha que o Brasil "já é uma potência", mas ressaltou que o país está num ponto crítico e há problemas que devem ser resolvidos. "É preciso investir no futuro. Não se pode depender somente do crédito público, as empresas precisam inovar e ter mais produtividade, e o País precisa investir pesadamente em infra`-estrutura e logística", afirmou, lembrando as dificuldades enfrentadas pelo exportadores brasileiros, por conta dos altos custos de transporte.

A executiva do Banco Mundial disse também que o Brasil precisa fortalecer o seu mercado de capitais, incentivando os investidores locais, para não depender excessivamente de recursos vindos do exterior.

A executiva ressaltou que todas essas mudanças têm que ser combinadas com investimentos em educação e conhecimento.

Pamela Cox destacou que a expansão economia nos últimos anos e o crescimento da classe média pode ser um fator positivo na cobrança de desempenho do governo. “Uma classe média forte vai querer responsabilidade por parte do governo, porque paga impostos”, lembrou ela.


O reitor da Fletcher School, Stephen Bosworth, conselheiro da Casa Branca para assuntos das Coréias, também destacou a importância do aumento da classe média brasileira. “O Brasil ganha a dianteira, porque incorporou milhões de pessoas à classe média, algo que os brasileiros deveriam se orgulhar". Mas igualmente alertou para a necessidade de o país acelerar investimentos em infra-estrutura e educação.

Bosworth também chamou a atenção sobre o crescimento da China no cenário global e as ações que o país tem realizado para manter seus altos níveis de crescimento. “A China está investindo fortemente em infra-estrutura dentro do país e comprando jazidas e terras em diversas partes do mundo”, destacou o reitor da Fletcher.

Internacionalização

O embaixador Rubens Barbosa destacou, durante o simpósio, a internacionalização das empresas brasileiras e a importância da competitividade do País para que esse processo continue avançando.

Barbosa lembrou que no campo do agronegócio o País investiu em tecnologia e se tornou um player global. “O Brasil é o único país que pode abastecer o mundo com qualquer tipo de produto”, ressaltou.

Já o presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setúbal, avaliou que as empresas brasileiras devem continuar ampliando seus esforços no exterior, embora tenha ressaltado que no setor financeiro o processo caminha mais lentamente.

No que se refere ao Itaú Unibanco, ele afirmou que a tendência é continuar olhando para operações na América Latina. Mas, segundo ele, a velocidade de expansão vai depender das oportunidades de comprar novos ativos nos outros países da região. “Um banco não é como uma indústria, que pode chegar a um país e começar a produzir do zero. É necessário comprar um ativo local para iniciar as operações já com uma base de clientes”, ressaltou.

Para ele, as empresas precisam se perguntar por que precisam ter operações no exterior. "O país cresce forte, o mercado consumidor está em clara expansão e as perspectivas são ótimas", destacou Setúbal.

Mas, segundo Setúbal, há casos em que as operações externas apresentam grande vantagem, citando nominalmente o caso do concorrente Santander, banco espanhol que tem forte presença no mercado brasileiro e na América Latina.

"O Santander tem operações no Brasil e em outros países. Se estivesse apenas na Espanha seria um problema neste momento", se referindo à crise enfrentada pelo país sede do seu concorrente. "Hoje, as operações do Santander em outros países são muito importantes", complementou.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Construtoras têm obras de shoppings espalhadas por vários estados

Paulo Fortuna
Para o Valor, de São Paulo

O cenário que combina um aquecimento generalizado no mercado nacional da construção, crescimento no número de clientes impulsionado pela “nova classe média” e o desenvolvimento de polos econômicos regionais proporcionou uma nova realidade para as construtoras que atuam na área de shopping centers. As carteiras de clientes estão cada vez mais espalhadas por diversas regiões do País e a expectativa é que a massa de consumidores incorporada nos últimos anos ao público-alvo dos shoppings mantenha as encomendas de obras em alta. Em contrapartida, as negociações com os empreendedores dos centros comerciais têm que levar em consideração uma conjuntura de custos crescentes e elevado uso de capacidade no setor.

As carteiras de clientes das construtoras apontam que, apesar de ainda existirem oportunidades de negócios em São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais, há empreendimentos surgindo por todo o Brasil. “Dos 10 shoppings em que participamos da construção atualmente, 50% estão localizados fora da região Sudeste, que sempre concentrou os empreendimentos do setor. São três obras em andamento no Centro-Oeste e duas no Nordeste”, afirma o diretor de Edificações Privadas da Concremat”, André Marinho de Vasconcelos.

Dos 17 contratos em andamento da Racional Engenharia, nove são da área de shoppings, sendo duas recentemente entregues, o BH Shopping, na capital mineira, e o Park Shopping Barigui, em Curitiba. Dos demais empreendimentos que ainda estão em obras, dois estão localizados no Rio (VillageMall) e São Paulo (Mooca Plaza) e os demais em outras cidades. “Há uma tendência de descentralização das obras do setor em direção a novos polos econômicos do País”, diz o gerente sênior do Núcleo de Desenvolvimento de Negócios da Racional, Marcos Vicelli, citando como exemplo o Shopping Sete Lagoas, que a empresa está construindo no interior de Minas Gerais.

A João Fortes Engenharia também está construindo dois empreendimentos com essas características, o Shopping Park Europeu, em Blumenau (Santa Catarina) e o Shopping Park Lagos, em Cabo Frio (Rio de Janeiro). “Os shoppings estão sendo construídos em regiões com grande potencial econômico, o Vale do Itajaí e a região dos Lagos”, afirma o diretor nacional de operações da companhia, Wagner Lofare. Segundo Lofare, o Park Lagos é o primeiro empreendimento deste porte naquela região.

Juan Quirós, presidente do grupo Advento, do qual faz parte a Serpal Engenharia, ressalta que as maiores oportunidades nas grandes capitais estarão na ampliação dos empreendimentos já consolidados, mas também destaca o crescimento dos negócios nos polos econômicos regionais. A Serpal participou recentemente da ampliação dos shoppings Pátio Higienópolis e Anália Franco, está na fase final da construção da nova torre de lojas do Iguatemi, na capital paulista, e começou as obras do shopping do Grupo Sonae em Londrina, no Norte do Paraná. “Antigamente não se pensavam em projetos de grande porte fora das regiões metropolitanas, mas o shopping de Londrina vai atender ao público de toda a região”, ressalta Quirós.

Os executivos avaliam que o ciclo de aquecimento do mercado ainda deve perdurar por alguns anos também por conta do aumento de renda e crédito, que ampliou principalmente o consumo da classe C. “A chamada nova classe média vai continuar a impulsionar o setor de shoppings nos próximos anos. Já a construção de empreendimentos voltados para públicos de alto poder aquisitivo pode começar a apresentar uma saturação”, diz Vicelli, da Racional Engenharia. “Acreditamos que o mercado de construção de shopping centers possa até dobrar de tamanho por causa do crescimento do número de consumidores”, avalia Vasconcelos, da Concremat.

As negociações entre as construtoras e os empreendedores dos shoppings passam por uma fase de “ajustes” – inclusive na discussão de valores – afirmam executivos da área. Na avaliação de Quirós, do Grupo Advento, as construtoras procuram buscar uma relação “mais equilibrada” com os empreendedores. “O aquecimento de todos os segmentos da construção civil provocou um aumento de custos em itens como a mão-de-obra especializada e o aluguel de equipamentos”, destaca Quirós.

“Não adianta os empreendedores negociarem com construtoras que apresentem preços baixos e depois não têm musculatura para bancar as obras”, acrescenta ele. O executivo ressalta que as obras de shoppings têm um grau de complexidade mais elevado do que outros tipos de construção. “No início das obras, temos apenas um cliente, que é o shopping. Ao final, temos que atender as exigências de uma série de lojistas, tanto o dono de uma loja de 20 metros quadrados, quanto aquele que tem 20 mil. E temos que atender bem a todos”, ressalta Quirós.


O Índice Nacional da Construção Civil (Sinapi), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em convênio com Caixa Econômica Federal (CEF), variou 0,51% em outubro, acelerando 0,16 ponto percentual em relação ao resultado de setembro (0,35%). O acumulado do ano foi 6,34%, contra 4,93% observados em igual período de 2009. Nos últimos doze meses, a variação foi de 7,26%, enquanto no mesmo período anterior o índice ficou em 7,08%

O item materiais subiu 0,50%, acima da taxa de setembro (0,41%). A parcela de mão-de-obra registrou variação de 0,53%, superior a de setembro (0,27%). De janeiro a outubro, a alta dos materiais fechou em 4,26%, acima dos 3,41% de igual período do ano passado, e a mão-de-obra (9,16%) também teve resultado superior em comparação com período equivalente de 2009 (7,08%). Nos últimos doze meses, os materiais tiveram alta de 5,15%, enquanto a mão-de-obra subiu 10,14%.

As construtoras também buscam estratégias para evitar ao máximo riscos de atrasos ou perdas de qualidade nas obras. A João Fortes Engenharia trabalha com projetos de pré-moldados que possibilitam que a empresa transforme os canteiros de obras em “fábricas de shoppings”. “Com isso, conseguimos minimizar problemas como a dificuldades para a contratação de mão-de-obra especializada e a locação de equipamentos”, afirma Lofare.

Vicelli, da Racional, diz que estratégia da empresa é investir na fase de “pré-construção” dos shoppings, enquanto os ajustes finais da contratação das obras ainda estão em discussão. “No período de quatro a cinco meses, enquanto trabalhamos para melhorar os detalhes dos projetos, nos já vamos ao mercado e fazemos uma pré-reserva de equipamentos, por exemplo. Dessa forma, já temos tudo acertado quando iniciamos as obras e reduzimos os riscos de atrasos”, diz Vicelli.

Vasconcelos, da Concremat, ressalta que em qualquer área da construção civil a questão do prazo é essencial, mas neste setor os atrasos geram um problema extra, já que é receita que deixa de ser gerada para os shoppings e os lojistas.

“Um dos riscos do aquecimento do mercado é o descumprimento dos prazos por parte de construtoras que não estão bem estruturadas. Com o movimento de expansão, a capacidade de gestão das obras passa a ser notória”, destaca Vasconcelos. De acordo com ele, mais do que negociar os preços das obras, há a necessidade de apresentar soluções para que os shoppings racionalizem os custos de operação, mantendo o mesmo padrão de atendimento.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Cliente private quer segurança, liquidez e conhecimento

Paulo Fortuna
Para o Valor, de São Paulo

Atender às expectativa de quem tem pelo menos R$ 1 milhão disponível para investir nem sempre é uma tarefa simples e, após a crise financeira global deflagrada em 2008, tornou-se ainda mais complicada. “Muitos clientes que tiveram perdas durante a crise ficaram mal impressionados com o gestores de suas contas de private banking. Eles avaliam que os bancos foram muito imprudentes ou gananciosos e passaram a ser mais cautelosos com seus investimentos”, afirma o economista Celso Grisi, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP) e diretor presidente do Instituto de Pesquisas Fractal.

Estudo realizado pelo Fractal em abril deste ano mostrou que mesmo os mais insatisfeitos com a atuação dos bancos durante a crise não desistiram de manter seus investimentos no private, mas prometeram acompanhar mais de perto o destino do seu dinheiro. Grisi destaca que os clientes deste segmento passaram a cobrar mais conhecimento técnico sobre as operações financeiras oferecidas pela instituição.

“De um lado, os clientes passaram a preferir mais segurança e liquidez do que rentabilidade e, de outro, ele exigem explicações mais técnicas e embasadas sobre a regulamentação das aplicações e os riscos embutidos nas operações”, afirma o professor.

O economista lembra que nem sempre o cliente private conhece bem as especificidades do mercado financeiro ou tem tempo de acompanhar o que acontece no setor. “Neste caso, ele exige ser informado sobre qualquer mudança no mercado, como uma alteração na carga tributária, que pode afetar o seu investimento”, diz o economista.

O estudo do Fractal apontou que o principal item valorizado pelos clientes private foi a disponibilidade do profissional que o atende no banco. Em seguida, veio o
o conhecimento dos produtos e serviços oferecidos pela instituição financeira. “Organização, objetividade e eficiência no atendimento” apareceu como o terceiro item de destaque na pesquisa, feita com entrevistados. Na quarta colocação, a “transparência e sinceridade no relacionamento com o cliente” foi o mais lembrado. Do total dos entrevistados, 84% investiam somente no private dos bancos e o restante aplicava com gestores independentes.

O consultor financeiro Vinicius Gholmie já detectou a insatisfação de muitos de seus clientes com o atendimento da área de private banking de grandes instituições financeiras. “Em alguns bancos, o gerente private acaba dando prioridade para clientes que têm grandes volumes aplicados, enquanto aqueles que possuem investimentos na faixa de R$ 3 milhões não recebem a mesma atenção”, ressalta ele.

Uma estratégia adotada por Gholmie para lidar com a situação foi reunir várias contas de clientes private para fazer uma negociação conjunta com o gerente da área. “Com R$ 30 milhões em investimentos reunidos, consigo condições melhores de negociação com o banco”, explica o consultor financeiro.

O nível de qualificação do executivo desta área pode ser decisivo na decisão do cliente em continuar investimento no banco, destaca o economia Roy Martelanc, coordenador do curso de pós-graduação em private banking e corporate da Fundação Instituto de Administração (Fia). Martelanc ressalta que a crise global de 2008 e 2009 trouxe um novo paradigma para o setor: o mercado, com as perdas financeiras e enxugamento do setor, tornou-se mais exigente e quem tinha uma formação menos sólida tornou-se um candidato preferencial a perder o emprego.

Segundo Martelanc, a maioria dos bancos oferece cursos de formação internos sobre os produtos disponíveis, em especial os voltados para clientes de maior poder aquisitivo. Mas, lembra ele, nem sempre o profissional tem um conhecimento profundo de todos os mecanismos que existem no mercado. “Ele até pode conhecer quais são os produtos o banco oferece, mas isso não quer dizer que entenda profundamente como cada um deles funciona”, destaca o professor.

Foi justamente por conta da demanda pela qualificação técnica que a Fia implantou o seu curso voltado para a área a partir de 2008. De acordo com Martelanc, até então os profissionais interessados neste segmento procuravam pós-graduações oferecidas pela instituição com grades curriculares aproximadas.

O professor lembra que, em alguns casos, o resultado da falta de qualificação
pode ser a venda de um produto que não necessariamente seria o mais indicado para as necessidades do investidor. “Isso pode ser danoso não somente para o cliente, por conta da limitação do profissional que o atendeu, mas também para o banco, que pode ter a sua imagem comprometida”, diz Martelanc.

Mercado brasileiro se torna atraente

Paulo Fortuna
Para o Valor, de São Paulo

O crescimento do mercado brasileiro de private banking deve ampliar o volume de instituições financeiras interessadas disputar os recursos destes clientes milionários no País; “O Oriente Médio e os países emergentes, entre os quais o Brasil, são os principais focos de investimento no mundo e é natural que as grandes instituições financeiras globais tenham interesse no nosso mercado”, afirma Roberto Marchi, sócio da consultoria norte-americana Bozz & Company no Brasil. “Mas, por enquanto, o que existe é somente uma promessa de que pode haver uma competição mais acirrada no mercado brasileiro”, destaca o executivo.

Marchi ressalta que há bancos estrangeiros com foco na área de private que só poderão crescer em maior escala se investirem nos mercados que estão em expansão acelerada, como o Brasil. “Se um banco suíço, por exemplo, quiser se expandir na área de private, não tem como escapar de investir nos novos mercados emergentes”, afirma ele.

O sócio da Bozz & Company lembra que, mesmo que não tenham grande presença no mercado brasileiro, instituições financeiras internacionais podem trazer como diferencial uma escala global e novos instrumentos de atuação neste segmento.

Ele ressalta que as oportunidades no mercado local estão crescendo não apenas por conta de investimentos externos, mas também de brasileiros que anteriormente aplicavam o seu dinheiro no exterior e retornaram com o capital para o País. Segundo ele, esse retorno ocorreu tanto pelo aumento das boas oportunidades de negócio e da redução dos riscos no Brasil, como também pelas maiores restrições impostas internacionalmente para as operações off-shore.

O presidente do Comitê de Private Banking e diretor da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), Celso Portásio, também avalia que disputa pelos ativos deste mercado deve ficar mais acirrada. Mas, para ele, o movimento deve acontecer principalmente de instituições que já atuam no mercado e que devem ampliar os investimentos no setor.

Para Portásio, mesmo estabelecendo linhas de corte maiores para clientes de private bank, as maiores instituições financeiras não devem perder fatia significativa deste mercado no Brasil.

O professor de economia e de mercado financeiro da Escola Trevisan de Negócios, Alcides Leite, acha que a expansão da riqueza no Brasil gera oportunidades tanto para os grandes bancos quanto para os gestores independentes. Segundo ele, as empresas de menor porte podem investir num atendimento mais personalizado ao clientes mas, em contrapartida, as maiores instituições financeiras também têm como implantar estruturas segmentadas para adotar estratégias voltadas para nichos de mercado como o private banking.

Leite lembra que somente com a estabilização da economia os bancos brasileiros investiram mais fortemente no atendimento ao varejo, mesmo nas faixas de renda mais elevadas. Até então, ao contrário do que ocorria em mercados mais maduros como nos EUA, estas operações ficavam em segundo plano, em detrimento de operações de tesouraria, por exemplo, ressalta o professor

Indústria bilionária

Paulo Fortuna
Para o Valor, de São Paulo

O setor de private banking, voltado para clientes pessoas físicas com grandes somas para investir nos bancos, encontrou um ambiente de negócios altamente favorável para se expandir no Brasil. O crescimento econômico ampliou o número de milionários e o volume de dinheiro disponível, que é disputado pelas instituições financeiras com os serviços de wealth management (gestão de riqueza). De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o total de recursos investidos neste segmento no País já soma R$ 337 bilhões. Uma alta de 15,9% entre dezembro do ano passado e setembro último, segundo a Anbima, que pela primeira vez divulgou dados relativos ao setor no mercado brasileiro.

“O aumento da riqueza está diretamente ligado ao crescimento da economia, mas no caso do Brasil também há uma forte entrada de recursos externos e liquidez gerada por IPOs, fusões e aquisições de empresas”, afirma o presidente do Comitê de Private Banking e diretor da Anbima, Celso Portásio.

O executivo acredita que mercado local de private vai continuar a crescer acima dos níveis do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Ele ressalta que nos próximos anos a geração de riquezas no Brasil deve ganhar ainda mais impulso por conta de investimentos em infra-estrutura proporcionados pelo pré-sal, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas no Rio em 2016.

Simultaneamente ao crescimento do volume de ativos, há um processo de consolidação do setor financeiro brasileiro e a determinação, em alguns grandes bancos, de uma linha de corte mais elevada para o cliente ser considerado private.
A norma da Anbima é que o cliente private deve ter um volume mínimo de aplicação de R$ 1 milhão, mas em diversas instituições financeiras o montante exigido é superior.
No Itaú, por exemplo, para ser private é necessário ter ao menos R$ 3 milhões para investir. O diretor executivo de Private Banking do Itaú Unibanco, Celso Scaramuzza, diz que instituição financeira passou pelo processo de fusão sem perdas na base de clientes deste segmento. Scaramuzza reconhece que o processo de união do Itaú/Unibanco pode ter causado algum desconforto aos clientes private.

“Neste tipo de processo, é obvio que você pode desagradar alguns clientes por conta de mudanças de rotina, mesmo que essas mudanças sejam para melhor. Mas, em contrapartida, houve ganhos, por exemplo, no aumento de ofertas de produtos no private”, afirma ele.

Segundo o executivo, as operações de private de banking do banco, que tem a liderança do setor no Brasil, totalizam ativos de pouco mais de R$ 100 billhões e já aumentaram neste ano 25% sobre 2009. Conforme Scaramuzza, uma das principais estratégias para continuar a crescer neste mercado e, ao mesmo tempo, manter a qualidade do atendimento, foi dividir os clientes private em três categorias de investidores e desenvolver produtos e estratégias específicas para cada um destes três segmentos.

O Itaú mantém no topo da pirâmide os clientes “ultra high”, com investimentos superiores a R$ 50 milhões, vindo em seguida os clientes “high” com aplicações entre R$ 10 milhões a R$ 50 milhões e, finalmente, os clientes que atuam na faixa entre R$ 3 milhões até R$ 10 milhões.
De acordo com ele, clientes “ultra hight” costumam ter uma tendência mais clarade preservação do patrimônio, com aplicações de prazo mais longo. “São investidores que podem abrir mão da liquidez imediata, visando um retorno de longo prazo”, diz o executivo. Já na outra ponta, as prioridades são diferentes: há necessidade de preservar a liquidez, de recursos de curto prazo e o investidor, em geral mais jovem, tende a aceitar um risco mais elevado.

O espanhol Santander, que está finalizando o processo de fusão com o Real, estabeleceu uma novo limite mínimo a partir deste ano para classificar seus clientes como private. Até então, a aplicação mínima necessária era de US$ 1 milhão e agora foi estabelecida em R$ 3 milhões.

Segundo a gerente de Private Banking do Santander Brasil, Maria Eugênia López, a mudança foi feita para adequar o padrão de atendimento aos clientes com níveis de aplicação mais elevados. Ela avalia que o Santander não tenha perda perdido clientes por contas da adequação.

Conforme a executiva, o objetivo é que os bankers - como são chamados os executivos que atendem as contas milionárias- sejam mais do que gestores dos recursos destes clientes, atuando dentro de uma visão abrangente de atendimento, que inclui assessoria em planos de sucessão dentro das empresas e planos de previdência. “O banker virou um diretor financeiro ou de RH do cliente private”, afirma a diretora.

Maria Eugênia destaca ainda que há uma mudança recente no comportamento de muitos destes clientes no que refere à tomada de crédito no banco. “Neste ano, o volume de crédito concedido para clientes private subiu 50%”, diz Maria Eugênia. De acordo com ela, a maioria do crédito é concedido para clientes em busca de liquidez.

Na linha de atendimento “ultra hight” há clientes do Santander com até R$ 1,5 bilhão aplicados que exigem, além de uma gestão especial da seus investimentos, uma discrição absoluta por parte do banco, ressalta a executiva. “Ao contrário do cliente que aplica R$ 3 milhões, quem investe R$ 1,5 bilhão não faz a menor de ser identificado como private, muito pelo contrário, diz ela.

A área de private do Santander cresceu 15% neste ano em volume de ativos, que estão na ordem de R$ 30 bilhões. “O nosso objetivo é ser o maior banco estrangeiro na área de private banking no Brasil”, diz Maria Eugênia.

Instituições financeiras que reforçaram recentemente sua posição na área de private banking apostam que podem se beneficiar da insatisfação com o atendimento prestado pelos grandes bancos que passaram por processos de fusão, casos do Itaú/Unibanco e Santander/Real. O Banco Votorantim, por exemplou, adotou como estratégia investir no atendimento a estes eventuais descontentes. O principal foco são investidores acima de R$ 3 milhões, mas o banco também trabalha com clientes na faixa que parte de R$ 1 milhão.

No Bradesco, o mínimo de investimento de cliente private é de R$ 2 mihões, o dobro do que era estabelecido até julho de 2008. De acordo com o diretor do banco para a área de private, João Albino Winkelmann, a mudança também foi feita para “adequar o atendimento à demanda”. “Vai chegar um momento em que poderemos aumentar esse limite para R$ 3 milhões, mas não há nada decidido ainda sobre isso”, diz ele.

Segundo o diretor, o banco estabeleceu que cada “banker” da área pode atender, no máximo, 80 clientes private, mas a regra muda conforme o perfil da conta milionária. “Há casos em que um gerente atende apenas quatro contas”, afirma o executivo. Essas contas “ultra hight” chegam a alcançar a faixa de R$ 500 milhões de investimento no Bradesco.

Winkermann acrescenta que na categoria private o banco tem uma estrutura de serviços que seria inviável em outros segmentos de aplicação. “Por exemplo, oferecemos uma plataforma de investimentos de arquitetura aberta, em que o cliente pode montar o seu portfólio com qualquer produto do mercado, mesmo que seja de outra instituição financeira. Esse tipo de operação demanda tempo e é altamente especializado, afirma o executivo. Winckemann lembra que outras áreas do banco podem ser acionadas para auxiliar este cliente vip, como na análise de investimentos em novos negócios.

De acordo com Winkermann, o banco tem por política não revelar os volumes exatos do setor, mas diz que o banco já cresceu 22% em ativos no private em 2010 e esperar fechar o ano com uma alta de 27%. Segundo ele, o Bradesco é “seguramente o segundo banco do País no segmento private”.

Já o britânico HSBC, que estabelece uma linha de corte de R$ 2,5 milhões para o cliente private, aposta na presença global do banco como um ativo importante para conquistar o público de alta renda. “O HSBC está presente em 88 países e em mais da metade deles o banco tem operações private. Esta estrutura internacional está disponível para os nossos clientes”, diz o diretor comercial do HSBC Private Banking, José Augusto Miranda.

Segundo o executivo. também ocorre o movimento inverso, com clientes private de outros países utilizando a estrutura do banco no País para buscar portunidades no mercado brasileiro.

Miranda não revela os números do private do HSBC no Brasil, mas diz que o banco aposta no crescimento de suas operações no mercado local. O HSBC inaugurou recentemente um escritório em Recife e tem planos de implantar no próximo ano duas ou três novas unidades private no Brasil. Como seus maiores pares do mercado, o banco também oferece outros serviços, além dos financeiros, aos clientes private como,assessoria tributária e planejamento sucessório.

A maior instituição financeira brasileira, o estatal Banco do Brasil, também resolveu investir neste ano na área de private banking – a linha de corte da instituição está no limite da norma da Anbima, de R$ 1 milhão. O BB Private ampliou da equipe de consultores, de 83 para 111, e reestruturou a área para oferecer mais opções de investimento para os clientes.

A equipe foi reforçada com Flávio Humberto Pretti, da área de clientes institucionais e com experiência em produtos de tesouraria, que passou a ser o gestor de produtos do private do BB. Também foram contratados para área de definição das estratégias macroeconômicas do private os especialistas Pedro Vals, da Fundação Getúlio Vargas, e Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Cresce a busca por alto padrão

Valor Setorial/Construção Civil
Por Paulo Fortuna

O crescimento da economia, o consumo em alta, baixa taxa de vacância nos escritórios e a expansão e modernização dos sistemas de logística têm impulsionado o setor de imóveis comerciais no País. O planejamento de novos shoppings, empreendimentos voltados para a área corporativa e condomínios logísticos foram pouco afetados pela crise entre 2008 e 2009 e, segundo os executivos do setor, o cenário ainda é de investimento acelerado pelo menos nos próximos quatro anos.

Conforme os executivos que comandam companhias do setor, o aquecimento da economia estimula a instalação de novas empresas no Brasil e a expansão dos escritórios daquelas que pretendem mudar para locais maiores e mais confortáveis. O resultado que nos maiores mercados do País, São Paulo e Rio de Janeiro, a taxa de vacância dos escritórios vem caindo e a tendência é de alta nos alugueis, principalmente nos empreendimento com o padrão Triplo A, que reúnem alto nível de tecnologia, segurança e conforto.

Segundo dados da consultoria Jones Lang LaSalle, a taxa de vacância de escritórios de alto padrão na capital vem mostrando queda. No terceiro trimestre deste ano atingiu 7,5%, contra 8,5¨% nos três meses anteriores. No primeiro trimestre do ano, a taxa estava em 11%.

De acordo com dados do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi-SP), no segmento de conjuntos de escritórios foram lançadas 2.140 unidades de janeiro a julho na capital paulista. O volume é 14,4% superior ao total lançado em igual período do ano passado (1.870 conjuntos).

Em 2009, mesmo com a retração da economia, 3.489 conjuntos foram lançados, contra 2.434 do ano anterior – ou seja, aumento de 43,3% em um ano. De acordo com as projeções do Secovi-SP, se o movimento de lançamentos de comerciais se comportar de modo semelhante ao de 2009 no segundo semestre, o mercado fechará o ano com 3.800 conjuntos de escritórios lançados no município.

O interesse do mercado em lançar novos conjuntos de escritórios é justificado pelos números aos preços de locação na capital paulista, em espaços classe A, de alto padrão. De acordo com a consultoria imobiliária Cushman & Wakefield, preço médio pedido de locação na capital paulista para os espaços classe A no terceiro trimestre fechou em R$ 91,2 m²/mês nas principais regiões pesquisadas, um aumento de 3,7% em relação ao trimestre anterior.

No Rio de Janeiro, onde há uma carência maior de escritórios de alto padrão, a pressão da demanda inflacionou ainda mais os preços dos aluguéis. O preço médio de locação para espaços classe A no Rio fechou pelo segundo trimestre consecutivo em nível recorde, alcançando a marca de R$ 141,6 m²/mês, ficando 36,7% acima do segundo trimestre do ano e registrando 60% de valorização em relação ao mesmo período do ano passado.

“Essa elevação nos preços é decorrente não só da falta de oferta mas também da entrega de novo estoque de maior qualidade a preços pedidos bem superiores à média”, diz Mariana Hanania, gerente de Pesquisa de Mercado para América do Sul da Cushman&Wakefield

“A taxa de vacância no segmento corporativo nos mercados de Rio e São Paulo está entre em patamares historicamente baixos”, atesta o diretor executivo da unidade de negócios de São Paulo da Brookfield Incorporações, Alessandro Vedrossi. Por esse motivo, aliado as perspectivas de que a economia continue crescendo, Vedrossi avalia que esse mercado deverá continuar aquecido, no mínimo, pelos próximos quatro anos.

Ele lembra que, devido a esse cenário, nem mesmo durante o período mais agudo da crise, entre o final de 2008 e 2009, esse mercado teve retração. O executivo ressalta ainda que os negócios devem ser movimentados por empresas que procuram migrar para conjuntos de escritórios de padrão mais elevado. Nesta área, a Brookfield concentra suas fichas principalmente nos mercados de São Paulo, interior paulista, Rio de Janeiro, Brasília, Goiânia e Curitiba.

O presidente da WTorre Properties, Bruno Laskowsky, ressalta que o aumento dos investimentos no setor também foi proporcionado por uma queda proporcional nas taxas de juros, que tornaram o investimento neste tipo de imóvel mais competitivo em relação a outros ativos financeiros. Mas ele destaca que ainda há muita demanda a ser atendida no mercado corporativo de alto padrão. “São Paulo tem 10,5 milhões de metros quadrados de escritórios e mais da metade destes não tem sequer ar-condicionado central. Empreendimentos triple A somam apenas 1 milhão de metros quadrados. Toronto, no Canadá, com apenas 2 milhões de habitantes, tem 11 milhões de metros quadrados de escritórios ”, compara Laskosky.

Com a demanda crescente e dificuldade de alocação de espaços para nos empreendimentos – principalmente em locais considerados mais nobres, a tendência é uma valorização dos aluguéis cobrados nos escritórios de alto padrão que estão chegando ao mercado. “Há três anos, o preço do metro quadrados no WTorre Nações Unidas 1 e 2 era na faixa de R$ 60,00. No Nações Unidas 3, que está em construção, o valor já saltou para R$ 110,00”, destaca Laskosky.

As perspectivas deste mercado fizeram com que grandes companhias do setor imobiliário ampliassem o seu foco para a área comercial. Há três anos, entre 7% e 8% dos negócios do grupo de consultoria e intermediação imobiliária Brasil Brokers estão concentrados na área, índice que hoje alcança 20%. “Esse mercado cresce a taxas 50% acima do segmento residencial”, explica Julio Pina diretor de Novos Negócios da Brasil Brokers, empresa que atua em 16 estados brasileiros.

Pina ressalta que além dos mercados tradicionais, como São Paulo e Rio, há grandes oportunidades de negócios em cidades que vem recebendo novos investimentos. É o caso de Itaboraí, sede do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), que vem atraindo diversas empresas com negócios na área. No início de outubro, a Brasil Brokers vendeu rapidamente todas as unidades de empreendimento na cidade composto de duas torres comerciais e um apart hotel.

Investir tanto em shoppings quanto em torres comerciais próximas ao centros de compras tem sido uma estratégia desenvolvida pela Multiplan. A companhia tem quatro shoppings anunciados que devem ser inaugurados até 2012., sendo dois no Rio - VillageMall e ParkShopping Campo Grande – e os outros em São Saulo - JundiaíShopping e ParkShopping São Caetano. E está desenvolvendo Morumbi Business Center (São Paulo), o Centro Profissional RibeirãoShopping (Ribeirão Preto/SP), ParkShopping Corporate (Brasília) e o Cristal Tower (Porto Alegre).

A JHSF também experimentou a receptividade do mercado tanto para shoppings para quanto para escritórios, aliado ao segmento de imóveis de alto padrão.
A empresa lançou o Parque Cidade Jardim, em São Paulo, que envolveu um valor geral de vendas de aproximadamente R$ 1,8 bilhão, com nove torres residenciais, três edifícios comerciais (o Cidade Jardim Corporate Center) e o Shopping Cidade Jardim. A velocidade das vendas surpreendeu até os próprios empreendedores.
“Acreditávamos que as vendas ocorreriam em cinco ou seis anos, mas elas foram realizadas em praticamente 3 anos”, afirmou o presidente da JHSF.

Segundo Auriemo Neto, o modelo do Cidade Jardim “foi amplamente entendido e aceito” e, com isso, a companhia está desenvolvendo um projeto semelhante em Salvador. cidade que tem também tem mostrado potencial de crescimento na área. Além do Horto Bela Vista, na capital baiana, a JHSF também está lançando em Manaus o Parque Ponta Negra, com sete torres residenciais mais o Shopping Ponta Negra.

Luiz Henrique Rimes, diretor nacional da João Fortes Engenharia, empresa com
sede no Rio de Janeiro, avalia que o aquecimento do mercado ainda causará novos aumentos de preços dos imóveis comerciais, tanto para a locação dos espaço quanto no valor dos imóveis. “O preço do metro quadrado dobrou nos últimos três anos e pode dobrar novamente. Isso tem uma ligação direta com o crescimento da economia. Mas é bom lembrar que ficamos estagnados anteriormente 15 anos, inclusive por conta da falta de financiamento para o setor”, lembra o executivo. De acordo com Rimes, cidades como Brasília e Salvador também mostram grande potencial de crescimento na área comercial.

Além do crescimento geral do PIB, o mercado de shoppings também vem ganhando impulso por conta do aumento da renda da chamada “nova classe média” e da expansão do crédito, avalia Cláudio Sallun diretor da Lumine, empresa especializada na administração de shoppings. De acordo com ele, há espaço para o mercado se expandir em todas as faixas de consumo, mas é na categoria de consumidores que migraram da classe D para a C nos últimos anos é que pode ocorrer um crescimento mais expressivo. ”Fizemos um estudo que apontou que, se esses consumidores passarem a comprar nos shoppings o mesmo que no varejo de rua, há espaço para a construção de 100 novos empreendimentos no País”, afirma Salllun.

No Rio de Janeiro há dois shoppings em construção voltados para este mercado da “nova classe média”. Em novembro está prevista a inauguração do Boulevard Shopping São Gonçalo, na baixada fluminense, que marca a entrada da Partage,
uma das sócio fundadores do Ache Laboratórios, no mercado de shoppings.


Segundo a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), seis novos empreendimentos foram inaugurados este ano e mais seis devem chegar ao mercado até o final de 2010. Para o ano que vem, as previsões são ainda mais promissoras: são 27 inaugurações previstas.

As perspectivas de crescimento da economia também aquecem os investimentos em novos centros de distribuição e logística. “A demanda é crescente não apenas por galpões com maior capacidade, mas também pelo aumento da qualidade das instalações”, ressalta Claudio Bruni presidente da BR Properties, companhia que hoje tem 40% do seu portfólio destinado a este setor.

A empresa concentra grande parte dos seus investimentos na área cidade de Louveira, localizada a da capital paulista e estrategicamente próxima do eixo rodoviário Anhanguera/Bandeirantes. Em junho, a empresa comprou dois galpões na cidade destinados a operações de logística, por R$ 157 milhões.

Segundo Bruni, a tendência é de que os novos empreendimentos logísticos tenham cada vez mais tecnologia embarcada, como softwares de gestão das cargas. Para o futuro, o executivo avalia que o mercado deve se encaminhar para mais investimentos em terminais intermodais de carga, integrando ferrovias e caminhões, por exemplo.

“Embora ainda estejamos longe do estádio de países como os Estados Unidos, o transporte de carga ferroviária no Brasil vem evoluindo e isso deve gerar um novo foco de desenvolvimento no setor”, diz o executivo da companhia, que tem centros de distribuição ocupados por empresas como Unilever, Boticário, Ceva e DHL.

A Cyrela Comercial Properties (CCP) é exemplo de companhia que vem apostando em todos os segmentos de imóveis comerciais. Na área de logística, a empresa vem apostando em empreendimentos localizados em São Paulo e no Rio de Janeiro. O presidente da CCP, Roberto Perroni, ressalta que, além do aumento da atividade econômica e do consumo, as medidas para reduzir o tráfego em São Paulo estimulam a implantação de centros de distribuição numa distância de até 100 quilômetros da capital paulista. “As empresas têm que dimensionar a distribuição por conta de medidas que restrigem a circulação de caminhões nas grandes cidades”, como a proibição de circulação de caminhões na Marginal Pinheiros, diz ele.

Já no segmento de escritório de alto padrão na capital paulista, a CCP tem concentrado esforços na área localizada entre as avenidas Juscelino Kubtsheck.
e Faria Lima e está construindo, na Avenida Paulista, a Torre Matarazzo, um empreendimento que vai combinar escritórios Triplo A e um shopping voltado para o público de alto padrão. A empresa tem por enquanto dois shoppings em seu portfólio, mas já tem previstos outros quatro empreendimentos na área.

Mais 10 anos para eliminar o déficit do saneamento

Valor Setorial/Construção Civil
Por Paulo Fortuna

A área de saneamento básico, que apresenta um grande déficit que só poderá ser resolvido no longo prazo, acabou por se transformar numa grande oportunidade para o setor privado, tanto para a realização de obras e venda de equipamentos, quanto para a operação dos sistemas de água e esgoto. Os negócios se tornaram mais promissores com o aumento dos gastos com o setor nos últimos anos e a promulgação da Lei do Saneamento, com regras que deram mais garantias às companhias sobre seus investimentos.

De acordo com dados de 2008 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) compilados pelo Instituto Trata Brasil, os investimentos para melhoria e expansão da rede de abastecimento de água no País passaram de R$ 1,3 bilhão em 2003 para R $ 2,2 bilhões em 2008, um aumento de 12% ao ano. Nesta área, o índice de atendimento da população no abastecimento de água atingiu 81,2%.

O quadro é bem pior no atendimento de coleta de esgoto, com um índice de apenas 43,2%. É deste total somente 34,6% do volume recebe tratamento. Na rede de esgotamento sanitário, os investimentos eram de R$ 1,8 bilhão em 2003 e cresceram a 7,5% ao ano, atingindo R$ 2,6 bilhões em 2008.

Segundo levantamento Trata Brasil junto ao setor, para que todos os brasileiros tenham acesso à rede de água e esgoto tratados são necessários recursos ao redor de R$ 270 bilhões, R$ 185 milhões a mais do que o total previsto para a área nas duas fases do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC 1 e 2) do governo federal, que chega próxima a R$ 85 bilhões.

Se for mantido esse volume médio de investimento previsto entre 2007 e 2014, ao redor de R$ 10 bilhões ao ano, a universalização do saneamento seria atingida apenas entre 2020 e 2025, conforme o secretário nacional de saneamento ambiental, Leodegar da Cunha Tiscoski.

A avaliação do presidente da Associação das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto (Abcon) e da Cab Ambiental, Yves Besse, é de que o setor privado pode ter um papel decisivo para ajudar a reduzir o décifit no setor de saneamento no Brasil. Besse ressalta que a Lei do Saneamento estabeleceu regras para que o setor melhorasse o seu planejamento, o que estimulou a entrada de mais empresas privadas na área, o que já era permitido desde a Lei das Concessões, de 1995, que permite a transferência da administração de um serviço ou bem público à iniciativa privada.

Conforme dados da Abcon, desde 2007 a participação de empresas particulares – sozinhas ou em parcerias com companhias públicas – aumentou de 6% para 10% do total da população urbana atendida no País. “Mas a tendência é de que essa participação continue aumentando, seja através de modelos de concessões plenas ou de parcerias público-privadas”, afirma Besse. A estimativa da Abcon é de que a iniciativa privada represente 30% do setor no País em 2017, o que significaria hoje um atendimento a 45 milhões de usuários. Atualmente, o atendimento à população brasileira é feito principalmente por companhias estaduais (70%) e autarquias municipais (20%).

Segundo o executivo, as concessionárias privadas figuram entre as companhias de saneamento com melhor desempenho na cobertura de água e esgoto. E, destaca ele, podem ampliar a participação no setor inclusive em parceria com empresas públicas, como já vem ocorrendo a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), empresa aberta que tem como principal controlador o governo paulista.

A CAB Ambiental, empresa do grupo Galvão Engenharia presidida por Besse, está entre as empresas que fizeram parcerias com a companhia estadual paulista, nas cidades de Andradina e Castilho. A CAB tem 70% de participação nos negócios. A Sabesp também tem parcerias com companhias privadas nas cidades de Mairinque, com a Foz do Brasil (grupo Odebrecht) e com a espanhola OHL, em Mogi Mirim.

Desde 2008, a CAB mantém uma PPP administrativa com a Sabesp para ampliação do sistema produtos do Alto Tietê, na região Metropolitana de São Paulo. Na área de concessões plenas – na qual a empresa controla diretamente todas as operações de água e esgoto - – a CAB atua em cidades como Mirassol, Palestina, no Estado de São Paulo, Paranaguá, no Paraná, e Alta Floresta, Pontes de Lacerda, Colider, no Mato Grosso. Conforme Besse, a empresa estima um faturamento de R$ 120 milhões em 2010, R$ 40 milhões a mais do que no ano passado.

O setor da construção civil também acredita no potencial das obras de saneamento, mas dirigentes da área avaliam que a falta de planejamento ainda é um fator de atraso na redução dos déficits de água e esgoto. “Não é por falta de recursos financeiros que não são desenvolvidos projetos e obras de saneamento. Há falhas de gestão por parte de municípios que, sem apresentar projetos consistentes, não conseguem acesso às fontes de financiamento”, afirma o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Pesada de Minas Gerais. (Sicopot-MG), Alberto José Salum, que participa da coordenação do Projeto Sanear é Viver, que prepara estudo com sugestões do setor da construção para a área de saneamento e deverá ser entregue ao novo governo federal eleito.

Segundo Salum, o estudo vai propor, entre outros pontos, que na área de saneamento sejam incentivadas parcerias entre o setor público e privado no desenvolvimento de obras e projetos, como ocorreu no programa “Minha Casa, Minha Vida”. “É necessário uma integração entre governo e setor privado para agilizar as obras do setor”, ressalta ele.

Estudo realizado pela Unicamp, encomendado pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), aponta que a área de saneamento básico movimenta hoje R$ 20 bilhões o que representa 0,59% do valor agregado total da economia nacional. Mesmo com todo o déficit no setor, o resultado é superior ao de países desenvolvidos comparados pelos pesquisadores, como Japão, Reino Unido, Bélgica, Alemanha e Itália, onde a média ficou em 0,26%.

O estudo apontou também apontou que para R$ 1 bilhão investido no segmento, seriam gerados 42 mil empregos, R$ 1,6 bilhão de valor da produção, R$ 800 milhões de valor agregado e R$ 76 milhões em impostos diretos e indiretos. Com os investimentos previstos nas duas fases do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC 1 e 2), da ordem de R$ 85 milhões, poderiam ser gerados quase 2 milhões de empregos, entre temporários – principalmente na construção civil – e permanentes.

Frederico Turolla, sócio da consultoria econômica Pezco, avalia que há uma tendência de crescimento do setor privado no saneamento, mas ressalta que as melhores oportunidades de negócio hoje para as companhia hoje estão nas PPPs. “Grandes companhias de saneamento, como a Sabesp e a Copasa, estão buscando parcerias com empresas privadas e isso tende a trazer mais eficiência às operações”, diz ele.

Turolla acrescenta que os megaeventos esportivos programados para o Brasil nos próximos anos, como a Copa do Mundo de 2014, podem ser grandes catalizadores para projetos de investimento em infraestrtura, mas lamenta que muitas das cidades-sede ainda apresentem índices negativos de cobertura de água e esgoto.

“Há grandes oportunidades de negócios na área de saneamento não apenas na contratação de obras, mas também no setor de vendas de equipamentos e de serviços, como sistemas de gestão e redução de perdas”, afirma a presidente da
da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), Cassilda Teixeira de Carvalho.

Ela lembra que a maior parte dos financiamentos para o saneamento hoje está atrelada a programa de melhoria de eficiência das empresas que, em alguns casos, chegam a desperdiçar mais da metade da água captada por falta de gestão adequada do sistema.

Segundo a presidente, a área de saneamento no Brasil vem atraindo inclusive o interesse de fornecedores de equipamentos internacionais, como do Canadá, Espanha e Portugal. Mas, segundo lembra, o maior gargalho hoje do setor está no fornecimento de mão-de-obra. “Há falta de profissionais na área de saneamento no País. Os que existem já estão contratados e os que estão sendo formados são insuficientes para atender a demanda”, diz.

domingo, 31 de outubro de 2010

Caça aos ilegais

Paulo Fortuna
Revista da Indústria
Publicação da Fiesp

A decisão do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex) de
regulamentar os mecanismos para coibir medidas antidumping, anunciada em 17 de agosto, foi uma vitória da Fiesp, que vinha alertando o governo sobre os indícios da fraude em setores como calçados, escovas de cabelo e pedivelas (peças de pedal de bicicletas) e reivindicando mais rapidez na extensão da punição por dumping aos outros países envolvidos na triangulação. Os principais suspeitos de usarem esta prática – conhecida como circunvenção - são fabricantes chineses afetados pelas normas compensatórias.

Anteriormente, quando havia suspeita de uma operação dessa natureza, era necessário abrir novos processos contra empresas que estariam vendendo produtos a preços muito abaixo do valor de mercado (dumping), que levam de 12 a 18 meses para serem concluídos. Com a regulamentação da lei que havia sido promulgada em 2008, as medidas de proteção poderão se estendidas mais rapidamente para os países que revendem essas mercadorias, desestimulando a triangulação.

O diretor titular do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Derex) da Fiesp, Roberto Giannetti da Fonseca, ressalta que assim que foram alvos de sobretaxa antidumping, a partir do final de 2007,alguns produtos tiveram a importação originada da China quase zerada e, no mesmo período, as exportações de outros países dos mesmos artigos tiveram altas expressivas.

Na inicio de agosto último, Giannetti levou ao Ministério da Fazenda documentos
com dados que apontavam para a circunvenção no Brasil e compararam as práticas de outros países como EUA, membros da Comunidade Europeia e Argentina, para punir a circunvenção. A Argentina, por exemplo, regulamentou a medida 23 dias após aprovar a lei contra esse tipo de fraude.

“Nós gostamos de concorrência e não somos contra as empresas chinesas
venderem seus produtos no Brasil, mesmo com a desvantagem que levamos por conta de fatores como a sobrevalorização do câmbio e a carga de impostos. O que a Fiesp não abre mão é de defender até o limite as nossas empresas contra atos de concorrência desleal, como o subfaturamento de preços e a falsificação de origem”, afirma o diretor titular do Derex.

Gianetti já encaminhou à Receita Federal pedido de investigação para vários produtos importados que podem estar burlando as medidas de proteção. Mas, ressalta ele, Fiesp também está acompanhando de perto a tramitação de projeto de lei no Congresso Nacional que classifica como crime de evasão fiscal a prática de apresentar um certificado de origem disfarçado. “Essas empresas que achavam que escapariam impunes da fraude terão suas mercadorias apreendidas e ainda pagarão multas vultosas”, destaca ele.

O setor de escovas foi protegido, a partir de 2007, por medidas contra as práticas desleais chinesas, mas também passou a enfrentar concorrência de fabricantes que, formalmente, são de Taiwan, que até então jamais havia sido um exportador importante do produto, ressalta o presidente do Sindicato da Indústria de Móveis de Junco e Vime e Vassouras e de Escovas e Pincéis no Estado de São Paulo (Simvep), Manoel Miguez. A medida determinou que a importação desse
desse produto originário da China passasse a ter a cobrança de alíquota específica de US$ 14,49 por quilo de mercadoria.

Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, compilados pelo Derex, mostram que a participação de Taiwan nas vendas de escovas para o Brasil era pouco maior que zero até 2007,mas subiram para 51% no ano passado. Enquanto isso, no mesmo período, a fatia chinesa cai de 78% para 21%.

“As fraudes na importações de produtos chineses foram facilitadas pela demora
em regulamentar a lei que impediria o uso de terceiros países para contornar medidas antidumping”, ressalta Miguez.

O presidente do Simvep acrescenta que os produtores chineses, independentemente das práticas desleais, já levam vantagem por trabalharem com custos muito menores do que as empresas brasileiras, por conta de desoneração das exportações, custos trabalhistas mais baixos e taxas de juros reduzidas. Mas, destaca ele, as empresas do setor seu setor têm procurado enfrentar a concorrência procurando inovar em seus produtos, como o
desenvolvimento de novos desenhos.

No caso do setor de outro setor afetado pela circunvenção, o de calçados, os exportadores da China teriam adotado principalmente três formas de fraudar o sistema antidumping, que incluiu a cobrança de US$ 13,85 por par de calçados importados daquele país. A primeira delas é a falsificação de documentos de origem. A segunda maneira é a montagem de calçados em terceiros países a partir de componentes produzidos na China, sem a observação dos mínimos de conteúdo nacional para a caracterização de produção deste terceiro país. Outra alternativa encontrada para fraudar a medida antidumping é a importação direta de “calçados desmontados” para serem finalizados no Brasil.

O coordenador do Comitê da Cadeia Produtiva de Couro e Calçados (Comcouros) da Fiesp, Wayner Machado da Silva, lembra que as medidas de proteção aos calçados brasileiros, aliada à recuperação do mercado interno, abriram perspectivas positivas para o setor no País, um cenário bem diferente do que poderia ocorrer se os exportadores chineses mantivessem a venda de produtos com dumping no Brasil. “Em cinco anos, os prejuízos para as indústrias brasileiras se tornariam irrecuperáveis”, afirma Silva. Por isso, segundo ele, foi importante a medida que estende o antidumping para países que praticam a triangulação comercial.

Conforme números do MDIC, entre março e novembro de 2008 foram importados 25,2 milhões de pares de calçados da China, contra 3,2 milhões de pares somados da Indonésia, Malásia, Tailândia e Vietnã. Em setembro de 2009, houve a imposição de direito compensatório provisório contra os calçados chineses e em março de 2010 foi aplicado o direito definitivo. Os dados mostram que entre setembro e maio do ano passado as compras provenientes da China e dos outros países asiáticos praticamente ficou empatada – 9,6 milhões de pares e 9,3 milhões, respectivamente.

Taiwan e Índia também não apareciam como exportadores significativos de
pedivelas para o Brasil até 2007, quando os fabricantes chineses, que respondiam por 79% das vendas, foram punidos por medidas antidumping. No ano passado, a fatia da China para 46%, enquanto Taiwan ficou com 37% do mercado e a Índia atingiu 15%. A sobretaxa para as pedivelas chinesas foi estabelecida em
US$ 1,56 por quilo.

Representantes de outros setores que enfrentam a forte concorrência dos produtos colocados a preços baixos no mercado brasileiro defendem medidas compensatórias, mas ressaltam que são necessárias várias ações para que
os fabricantes nacionais possam trabalhar com as mesmas condições oferecidas aos produtores da China.

“O ideal seria o governo reduzir a carga de impostos para o setor, principalmente os que incidem na folha de pagamento”, afirma o presidente do Sindicato da Indústria do Vestuário Feminino e Infanto-Juvenil de São Paulo e Região (Sindivest), Ronaldo Mesijah. Ele ressalta que, no setor de vestuário, que usa mão-de-obra intensiva, o custo com pessoal tem um peso bem maior do que em outros setores da economia.

O presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq)
Synésio Batista da Costa, defende que os produtos chineses vendidos no mercado brasileiro sejam submetidos aos mesmos impostos trabalhistas pagos pelas indústrias nacionais. “Há uma concorrência desleal entre fabricantes de um país que paga a sua mão-de-obra e outra que não paga”, afirma o dirigente empresarial. Na avaliação, ainda deveria haver aumento do Imposto sobre Produtos Industriais (IPI) e do imposto de importação para os fabricantes chineses de brinquedos. “As alíquotas de importação deveriam ser cobradas no teto máximo de 35% e não no patamar de hoje, de 20%, afirma ele.

Para ele, o governo deveria ser mais agressivo nas retaliações aos produtores
chineses, sem temer os riscos de conflitos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). “O Brasil não tem que se preocupar que as medidas possam pegar mal na OMC. O que pega mal é demitir os empregados no país e gerar empregos na China por conta da concorrência desleal”, afirma Batista.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

São Vicente espera salto no IDH com investimentos em saneamento

Paulo Fortuna
Para o Valor, de São Paulo

Primeira cidade a ser fundada no Brasil, São Vicente foi eclipsada ao longo dos anos pela vizinha Santos, maior e mais conhecida. Na área de saneamento, não é diferente. Enquanto Santos ocupa um honroso quinto lugar no ranking do setor elaborado pelo Instituto Trata Brasil com 81 cidades com mais de 300 mil habitantes, São Vicente fica no meio da tabela, em 29º lugar, ganhando apenas uma posição em relação ao anterior. Mas a prefeitura vincentina promete que até o final de 2011 vai ao menos empatar esse jogo.

A maior aposta é na ampliação da Estação de Pré-Condicionamento de Esgotos do José Menino da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que é responsável pelo tratamento e envio ao Emissário Submarino dos esgotos coletados na Ilha de São Vicente, onde estão as cidades de Santos e de São Vicente. A obra vai beneficiar o sistema de saneamento das duas cidades, mas em São Vicente, onde os índices de esgotamento sanitário são piores, o ganhos serão mais evidentes.

Hoje, 30% do esgoto coletado da cidade não é tratado e jogado in natura no mar e nos rios, o que prejudica a balneabilidade de algumas praias, como o Gonzaguinha, freqüentemente apontada como imprópria para banhos pela
Companhia Tecnológica de Saneamento Ambiental (Cetesb). “Ao final de 2011, todo o esgoto coletado será tratado e vamos devolver a balneabilidade para todas as nossas praias”, afirma o prefeito de São Vicente, Tércio Garcia.

O investimento na estação do José Menino faz parte do Programa Onda Limpa de Recuperação Ambiental, que prevê investimentos da ordem de R$ 1,23 bilhão em toda a Baixada Santista, com financiamento do Japan Bank for International Cooperation (JBIC) e a contrapartida da Sabesp. Em São Vicente, o programa também prevê ações como 4.700 ligações de esgotos na Vila Margarida, 4.097 no Bitaru e outras 2.964 no México 70.

O prefeito ressalta que os investimentos feitos na área da habitação, com a construção de casas populares em locais onde haviam moradias irregulares e ligações clandestinas de esgoto, também vão contribuir para melhorar os índices de saneamento.

Garcia avalia que, com os investimentos em saneamento, a cidade experimente um salto na qualidade de vida local. “Principalmente por causa do saneamento, Santos tem o 3º melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Estado de São Paulo, enquanto ocupamos a 172 º posição”, compara o prefeito.

Além de ganhos na saúde pública, Garcia destaca que a melhoria da qualidade das praias também deve incentivar o setor de turismo, atraindo um perfil de visitante com mais recursos para gastar na cidade. “Hoje não temos problemas em atrair visitantes, tanto que as praias ficam cheias nos feriados e finais de semana. Mas com a balneabilidade total das praias, podemos receber turistas mais qualificados”, diz Garcia, que espera também mais investimentos do setor privado na infra-estrutura turística de São Vicente. “Quanto o poder público faz a sua parte, o setor privado responde imediatamente”, espera o prefeito vicentino.

Em último lugar nos índices, Porto Velho terá R$ 112 mi do PAC

Paulo Fortuna
Para o Valor, de São Paulo

Porto Velho, em Rondônia, está na lanterna dos índices de saneamento básico da cidades brasileiras com mais de 300 mil habitantes. Em se tratando da coleta e tratamento de esgoto, os dados apontam que o serviço praticamente inexiste. Com relação ao fornecimento de água, os índices, como acontece na maior parte do Brasil, são menos dramáticos, atingindo 67% da população da cidade, que tem 382 mil habitantes. Como a responsável pelo saneamento no estado, a Companhia de Águas e Esgoto do Governo de Rondônia (Caerd), tem poucos recursos financeiros disponíveis, a grande aposta para reverter o quadro são os recursos federais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que começaram a chegar à Rondônia no ano passado.

A situação do saneamento em Rondônia é complicada até do ponto de vista legal.
Embora na prática o serviço de água e esgoto de água e esgoto em Porto Velho fosse prestado pela Caerd há décadas, ainda que de forma precária, apenas em setembro do ano passado a prefeitura local e a companhia controlada pelo estado assinaram contrato de concessão. O contrato tem vigência de 30 anos e coincidiu com a chegada de recursos provenientes do PAC, que prevêem abastecimento de água para toda a população e instalação de rede de esgotos para 75% da cidade.

Para Rondônia estão previstos R$ 476,3 milhões para ampliação do sistema de abastecimento, duplicação de adutora, estações de água tratada, reservatórios, ligações domiciliares. Via PAC/Funasa outros R$ 78 milhões, destinados ao abastecimento de água, saneamento em terras indígenas, melhoria na qualidade da água, drenagem, melhorias sanitárias domiciliares, entre outros serviçios.Para Porto Velho, o investimento do PAC é da ordem de R$ 112 milhões além da contrapartida da Prefeitura e do Governo de Rondônia.

A coordenadoria de engenharia da Caerd, Rosana Reis, reconhece que os serviços de coleta de esgoto (2% do total da cidade) e de tratamento (não há qualquer tipo de serviço) são altamente deficientes, mas aposta numa reversão do quadro até dezembro do ano que vem, com os recursos para as obras. “A capacidade de investimento da empresa é pequena, mas com esses recursos podemos universalizar não só o fornecimento de água, mas também a coleta e o tratamento de esgoto”, afirma, otimista.

Rosana Reis avalia que a atual carência infra-estrutura pode até funcionar como uma aliada na execução das obras. ”É muito mais fácil você construir um sistema de saneamento partindo do zero do que reformar uma rede antiga”, argumenta.

A coordenadora de engenharia acha que a cidade pode dar um grande salto em qualidade de vida com a expansão do esgotamento sanitário, principalmente com relação ao quesito saúde. Mas ela ressalta que está sendo realizado um trabalho social, junto à população, para mostrar a importância de ter uma ligação de esgoto nas casas.

“Como o serviço praticamente não existia, muitas pessoas não dão a devida importância e enxergam apenas como uma tarifa a mais que terão que pagar. Por isso, é necessário conscientizar os moradores”, explica.

Falta de esgoto eleva taxa de mortalidade infantil

Paulo Fortuna
Para o Valor, de São Paulo

A expansão do saneamento básico no Brasil pode ter como resultado direto a melhoria de diversos indicadores sociais do País, passando pela redução dos índices de mortalidade infantil e dos afastamentos do trabalho causados por doenças infecciosas. Mais água e esgoto para a população reduziriam também
os custos do Sistema Único de Saúde (SUS) com internações relacionadas a essas doenças.

“Não há como reduzir as taxas de mortalidade infantil sem melhorar a cobertura de saneamento básico”, afirma o pediatra Evandro Roberto Baldacci, professor livre-docente da Universidade de São Paulo (USP). De acordo com Baldacci, a deficiência na cobertura de água e esgoto é um componente central para os altos índices de mortalidade infantil no Brasil, sobretudo no Norte e Nordeste no Brasil.
“É um acinte a forma como a questão do saneamento tratada nestas regiões. Em Manaus estão construindo um estádio de R$ 400 milhões para a Copa do Mundo, enquanto a maioria da população não tem acesso ao saneamento”, destaca o professor.

Estudo realizado pelo Institute for Health Metrics and Evaluation e divulgado neste ano pela revista médica britânica The Lancet, apontou uma melhoria expressiva nas taxas de mortalidade infantil no Brasil, mas trouxe dados preocupantes quando mostram o quadro em áreas onde o saneamento é precário. A taxa caiu 61,7%, passando de 52,04 mortes por mil nascimentos em 1990 para 19,88 mortes por mil nascimentos em 2010, mas no ranking de estados com maior índice as oito primeiras posições são de unidades do Nordeste, onde o saneamento tem desempenho abaixo da média nacional.

Dados do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS), do final de 2008, mostram que 57% dos brasileiros não têm acesso ao esgoto coletado. Os estados com maior déficit são Piauí (com 97,49%), Amapá (96,44%), Rondônia (96,2%), Pará (95,1%) e Maranhão (88,63%).

De acordo com Baldacci, enquanto no Norte/Nordeste 25% da mortalidade infantil está relacionada a doenças diarréicas, no Sul/Sudeste o índice é de 10%. “Essa diferença está diretamente relacionada à melhoria dos serviços de saneamento”, diz ele.

Segundo o professor, uma criança numa área urbana na região Nordeste tende a apresentar uma média de seis episódios de doenças diarréicas por ano, enquanto que numa área rural o número sobe para oito. “Em São Paulo, a média de ocorrências é de 1,6 ano ao ano, um número melhor até dos que nos Estados Unidos, embora ainda abaixo dos países nórdicos”, afirma Baldacci.

Estudo realizado pelas pesquisadoras do Departamento de Saúde Ambiental da USP, Maria Tereza Razzolini e Maria Günther, intitulado “Impactos na Saúde das Deficiências de Acesso a Água" apontou que quase 80% dos casos de febre tifóide e paratifóide, 60% a 70% dos casos de tracoma e esquistossomose, além de 40% a 50% das doenças diarréicas e outras parasitoses, poderiam ser evitadas com a implantação adequada de saneamento ambiental no Brasil.

As pesquisadoras estudaram uma área de invasão na Grande São Paulo, próximo a um manancial, onde não existe uma rede de água e esgoto pública em funcionamento. Ou seja, mesmo numa região mais rica, a questão do saneamento pode ser problemática. De acordo com a pesquisadora Maria Tereza Razzolini, na falta de rede de esgoto, os moradores da área recorriam a fossas improvisadas, que fatalmente provocavam contaminações e contribuíam para pior a saúde local da população.

A pesquisadora avalia que os aumentos dos investimentos na área de saneamento no País são importantes na melhoria de qualidade de vida da população, mas a questão também deve ser tratada de forma abrangente, como política pública . “A política de saneamento deve levar em conta outros fatores, como por exemplo, a questão da habitação, já que nas áreas de moradias irregulares a população não costuma de ter acesso à água e esgoto”, diz Maria Tereza.

Estudo realizado pelo Instituto Trata Brasil mostra que a universalização da água e esgoto no País teria grande impacto no sistema público de saúde. De acordo com o estudo, num município de 100 mil habitantes sem saneamento, são esperados 450 casos de doenças gastrointestinais em um ano, número que cairia para 229 numa cidade do mesmo porte com água e esgoto universalizados.

Com base nesta comparação, o Trata Brasil conclui que a cobertura total reduziria o número de casos no País de 462 mil para 343 mil. Por ano, os gastos com internações no Sistema Único de Saúde (SUS) com essas doenças chegam a R$ 161 milhões, uma conta que não leva em consideração, por exemplo, o que o paciente gasta com remédios.

O estudo apontou que o custo anual estimado em horas pagas e não trabalhadas por conta de doenças relacionadas à falta de esgotamento sanitário é de R$ 547 milhões. Já considerados os demais fatores que interferem na frequência de afastamentos, a probabilidade de uma pessoa com acesso à rede de coleta de esgoto se afastar das atividades por qualquer motivo é 6,5% menor que a de um trabalhador com acesso a essa infra-estrutura, aponta a análise. No caso de afastamento por diarréia, a diferença é ainda maior: de 19,2%. O acesso universal à rede, conforme o estudo, faria esse custo cair para R$ 238 milhões por ano.

Cobrança por uso da água avança de forma lenta

Paulo Fortuna
Para o Valor, de São Paulo

A cobrança pela utilização da água para o abastecimento e uso nos setores produtivos foi autorizada há 13 anos, quando foi aprovada a chamada Lei das Águas, mas a universalização das tarifas nas bacias hidrográficas do País ainda está distante. Até hoje, em rios de domínio da União, apenas as bacias do Rio Paraíba do Sul e dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí ( PCJ) na região Sudeste, estabeleceram uma cobrança sistemática nos últimos anos. A Bacia do São Francisco começou a cobrar dos usuários em julho último e a Bacia do Rio Doce deve implantar as tarifas em 2011. Atualmente existem 140 comitês de bacias hidrográficas em todo o país e 27 conselhos estaduais e do Distrito Federal.

Com relação aos rios de domínio estadual, a cobrança mo Rio de Janeiro começou em 2004 e já implementada em todas as bacias do estado. Em São Paulo, as bacias dos rios Paraíba do Sul e PCJ que pertencem ao Estado implantaram as tarifas em 2007, com base em mecanismos e valores semelhantes àqueles praticados nos rios de domínio da União. Em Minas Gerais, a cobrança foi iniciada em 2010 nas bacias dos rios Velhas, Araguari e Piracicaba/Jaguari, também seguindo os mecanismos definidos para os rios de domínio da União nestas bacias. A cobrança feita pela União engloba os rios e outros cursos d’água que englobam mais de um estado da federação. Quando a área fica somente dentro de um estado, a tarifa é estadual.

O pagamento pela utilização da água bruta nestes casos é feito por usuários que geram algum tipo de atividade econômica, como por exemplo, os irrigantes, o setor elétrico, as indústrias, empreendimentos de turismo e companhias de saneamento que usam ou retiram água de uma determinada bacia. Mas é isento de cobrança quem realiza captações de água que não ultrapassam a cinco metros cúbicos por dia.

Apenas na área da União, o valor arrecadado hoje fica em torno de R$ 80 milhões por ano, mas poderia chegar a R$ 500 milhões se fosse aplicada em todas as bacias de domínio nacional, calcula o presidente da Câmara Técnica de Cobrança pelo Uso da Água do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), Rodrigo Speziali.

De acordo com Speziali, a cobrança de tarifas com base na Lei das Águas avançou no Sudeste porque há mais “conflito de uso”, ou seja a demanda é elevada principalmente por conta do Produto Interno Bruto (PIB) mais elevado, com grande concentração de indústrias próximas às bacias.

O gerente de Cobrança da Agência Nacional das Águas (ANA), Patrick Thomas, lembra que a decisão da cobrança, conforme determina a legislação, é de responsabilidade das próprias bacias. Segundo ele, nem todas as bacias já ser organizaram para estabelecer as tarifas e, em muitos, a cobrança pode nem ser uma prioridade. “Na região amazônica, por exemplo, não faria muito sentido estabelecer uma cobrança agora”, exemplifica.

Thomas defendeu uma mudança nos valores nas tarifas atuais estabelecidas pelas bacia, que ele considera baixas. Para ele, tarifas mais elevadas não somente aumentariam a capacidade de investimento das próprias bacias, mas também ajudariam a disciplinar o uso da água. “Muitos usuários possuem outorgas de uso de água acima do que seria necessário. Com tarifas mais elevadas, com certeza o uso seria racionalizado, com ganhos para todo o sistema da bacia”, diz o gerente.

A racionalização do uso da água foi justamente o principal resultado da cobrança de tarifas nas bacias PCJ, destaca o coordenador geral da Agência de Água PCJ/Consórcio PCJ, Francisco Castro Lahóz. A tarifa começou a ser cobrada em 2006 – foi a segunda do País, após a Paraíba do Sul, de 2003 – e diversos usuários, afirma Lahóz, começaram então a investir na melhoria da gestão do uso da água, inclusive com estações de tratamento de esgoto.

Segundo o coordenador, antes de ser implantada, a cobrança foi discutida com os usuário e, inicialmente, abrangia somente 60% da tarifa e passou a 100% há dois anos. “Optamos por implantar a cobrança de forma paulatina, para que os usuários se acostumassem com a tarifa e se conscientizassem da importância do uso racional da água”, diz ele.

O sistema de tarifas exige o pagamento pela captação, pela água consumida e pela carga orgânica presente nos efluentes despejados. Segundo a tabela da Agência PCJ, a captação de água bruta superficial, o consumo de água bruta e o lançamento de carga orgânica DBO (demanda química de oxigênio) custam aos usuários, respectivamente, R$ 0,01 por metro cúbico, R$ 0,02 e R$ 0,10. O coordenador diz que há planos de rever estes valores no futuro, mas não há qualquer decisão tomada sobre a questão.

De acordo com Lahóz, a PCJ recebe tarifas tantos dos rios da área da União, quanto nos de São Paulo e Minas Gerais, embora, neste último caso, a tarifa só tenha começado a ser cobrada no ano passado e ainda seja insipiente. No total, a PCJ arrecada anualmente R$ 40 milhões, sendo R$ 17 milhões da área da União e o mesmo valor das tarifas estadual. O restante são os royalties pagos pelo governo do estado devido a áreas inundadas para a geração de energia elétrica.

De acordo com o coordenador, os recursos são utilizados principalmente em projetos voltados para melhorar a gestão das bacias PCJ. Por exemplo, a implantação de um sistema de monitoramento de acidentes, projetos para redução de perdas de água nas concessionárias de água e esgoto na região, além de cursos de capacitação na área de saneamento. Os recursos, reconhece Lahóz, são modestos em relação à necessidades de investimento de saneamento na área destas bacias, considerada “crítica” pela grande concentração industrial e com uma população que supera 5 milhões de pessoas.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Apoio a cientistas pode frear ilegalidades

Por Paulo Fortuna
Especial Valor Econômico
Biodiversidade

O Brasil ainda está longe de dispor de armas eficientes para combater a ação da biopirataria, que é a prática ilegal de exploração, manipulação, exportação e comercialização de recursos biológicos de um país a outro. Governo e pesquisadores concordam que é preciso aumentar cada vez mais a ação fiscalizadora contra os biopiratas, mas, ainda assim, isso atacaria apenas parte do problema. A solução apontada como a mais eficiente seria o País tomar a dianteira das pesquisas de sua biodiversidade, se antecipando aos estrangeiros. Mas neste campo também há enormes desafios, inclusive por conta das dificuldades impostas pelo atual marco legal do setor.

Há diversos casos de empresas internacionais que patentearam substâncias que são encontradas originalmente na Amazônia Legal brasileira e nos países vizinhos
Há patentes internacionais de componentes derivados da secreção da
phyllomedusa bicolorm, um tipo de rã, apelidada de “sapo Kambô”, encontrada na Amazônia. Na medicina tradicional dos indígenas do Brasil e do Peru, a secreção é usada para fazer a “vacina do sapo”, para afastar a má sorte com as mulheres e a caça. Pesquisas no exterior apontaram a presença da dermofina, um analgésico, e deltorfina, que pode ser aplicada no tratamento da isquemia.

No Canadá foi patenteado o rupununine, uma substância extraída das sementes do bibiri planta da Amazônia. A tribo Wapixana, de Roraima, utiliza esta substância como um anticoncepcional. As pesquisas canadenses indicaram que o produto pode ser usado para tratamento de tumores e Aids. Composições à base de óleo de copaíba foram patenteadas por companhias da França e nos EUA. O uso mais comum é o medicinal, sendo empregado como anti-inflamatório e anticancerígeno.

O nome açaí, fruta típica da Amazônia, estava registrado desde 2003 no Japão como marca de propriedade da empresa K.K. Eyela Corporation. Em 2007, o registro da marca foi cancelado por ordem do Japan Patent Office, após protestos do governo brasileiro. O mesmo aconteceu com outra fruta típica da região, o cupuaçu. A japonesa Asahi Foods tentou patentear o cupuaçu e ainda registrou em 2000 a marca “cupulate”, que é o chocolate feito com a amêndoa da fruta. Mas quatro anos depois o registro acabou negado pelas autoridades japonesas.

A organização não governamental Amazonlink, com sede em Rio Branco, no Acre, faz o acompanhamento das patentes internacionais de produtos derivados de substâncias originárias da Amazônia, mas admite que, em muitos casos,
não há como apontar até que grau a biopirataria se aplica aos detentores de patentes e marcas.

O presidente da Amazonlink, o aústriaco Michel Schmidlehner, entretanto, considera questionável o patenteamento por companhias internacionais de substâncias que são usadas tradicionalmente por comunidades amazônicas. Na sua visão, essas comunidades deveriam ser consultadas sobre o uso destes produtos.

“Os povos indígenas têm que opinar se querem ou não que essas substâncias sejam utilizadas pela indústria e, caso aceitem, de que forma poderiam se beneficiar da repartição dos seus recursos” afirma ele.

Não há números precisos sobre quanto o Brasil deixa de ganhar por não explorar de forma eficiente a sua biodiversidade e abrir caminho para que outros o façam, mas um relatório realizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em 2006, apontou que o valor poderia chegar à época a US$ 2,4 bilhões por ano. O cálculo do TCU levou em conta fatores como o faturamento total da indústria farmacêutica (US$ 300 bilhões), a parcela relativa à biodiversidade brasileira neste setor (já que o Brasil detém 20% das espécies reconhecidas) e considerando ainda os distintos percentuais de benefícios que poderiam ter sido negociados.

O estudo do TCU, que foi centrado na Amazônia, aponta deficiências na fiscalização tanto da Polícia Federal quanto do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). “A inexistência de expectativa de controle, tanto na saída de espécies para exportação, como no fluxo de pessoas e bagagens, favorece a saída ilegal de espécies e matéria genética, assim como a entrada de pragas”, aponta o relatório, que recomendou ao Ibama, por exemplo, que oferecesse treinamento aos funcionários para que pudessem aprimorar a identificação das
espécies, além de destacar mais gente para os aeroportos.

O TCU aponta, no documento, que o aprimoramento da fiscalização, ainda que necessário, não é capaz de coibir a biopirataria. Um dos pontos destacados no documento é mau aproveitamento de uma instituição criada justamente com o objetivo de desenvolvimento de bioprodutos, a Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA). Mas, sem personalidade jurídica própria, seu funcionamento era precário. O TCU recomendou que em 180 dias fosse definido um plano de gestão e um plano estratégico para o Centro.

O CBA tem um histórico de impasses, que começou com repercussão negativa do "acordo de bioprospecção", firmado em 2000, entre a empresa suíça Novartis e a Bioamazônia, organização social criada para colaborar com a implantação do Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (Probem/Amazônia) e do Centro. O acordo acabou suspenso por razões legais em meio a críticas, principalmente de pesquisadores brasileiros.

Desde 2002 o CBA passou a ser administrado pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), mas até hoje sua personalidade jurídica não foi definida. Em abril deste ano, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Comércio Exterior (MDCI), ao qual a Suframa é subordinada, encaminhou um documento à Casa Civil recomendando a transformação do centro em uma empresa pública. A proposta ainda está em análise na Casa Civil e, caso seja aceita, o governo devera enviar um projeto de lei ao Congresso para que seja autorizada a criação desta empresa.

Pesquisadores brasileiros reclamam das limitações impostas pela Medida Provisória 2.186/01, editada há nove anos, que estabelece condições para a coleta, acesso, transporte e remessa, repartição de benefícios, transferência de tecnologia, conservação e utilização do patrimônio genético nacional. De acordo com os pesquisadores, diversos aspectos da MP têm burocratizado e, em muitos casos, prejudicado o desenvolvimento biotecnológico brasileiro. Um dos principais motivos das reclamações é que qualquer coleta de planta ou inseto, por exemplo, tem que ser informada ao governo.

O professor titular e coordenador do programa de Pós-Graduação em Ecologia do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, Thomas Michael Lewinsohn, acha compreensível os cuidados tomados no País para tentar conter a biopirataria, mas ressalta que os cientistas brasileiros não estão reivindicando carta branca para realizarem suas pesquisas, mas sim condições de trabalho que possibilitem que o País avance no conhecimento de sua biodiversidade. “Os cientistas brasileiros não podem ser tratados como se fossem suspeitos de praticarem a biopirataria. A princípio, todos devem ser considerado inocentes e, se forem constatados atos ilegais, aí sim eles devem ser punidos”, afirma ele.
Lewinsohn ressalta que as restrições da MP dificultam o relacionamento dos pesquisadores do País com instituições estrangeiros, que seriam importantes para o avanço das pesquisas no Brasil. “É fundamental que o Brasil faça intercâmbio científico nesta área, mesmo porque não há conhecimento suficiente no País para dar conta do volume gerado pela nossa biodiversidade. Já ocorreram casos em que o Brasil ficou de fora de redes mundiais de pesquisa por conta destas dificuldades”, afirma ele.
O diretor do Departamento de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, Braulio Dias, garante que o governo melhorou os mecanismos de fiscalização da biopirataria , inclusive com a aprimoramento técnico dos fiscais do Ibama. Mas ele ressalta que o combate tem que ser travado em diversas frentes e não somente com repressão. “É impossível botar um fiscal atrás de cada árvore”, diz ele. Para o diretor, o País tem que investir no aproveitamento da sua biodiversidade e na criação de incentivos econômicos para que a população das regiões onde ficam os recursos, principalmente na Amazônia, sejam beneficiadas.

Dias admite que o marco legal existente hoje no setor, com a MP 2.186/01, não favorece os trabalho dos pesquisadores brasileiros e diz que o governo vai enviar ainda este ano ao Congresso Nacional um Projeto de Lei que deve reduzir a burocracia para o setor. De acordo com ele, o projeto – que está em fase final de análise na Casa Civil - deve estabelecer de forma mais clara, no que se refere à biodiversidade, o que é pesquisa básica e o que é aplicada e estabelecer mecanismos que facilitem a repartição dos recursos oriundos da exploração dos recursos.

Segundo ele, uma outra forma de combater a biopirataria é o estabelecimento de um marco global para a proteção da biodiversidade. “Não adianta o Brasil realizar ações para combater a biopirataria se em outros países não há regulação sobre a exploração destes recursos”, afirma, Dias afirma que o Brasil levará a proposta de uma regulação internacional à 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-10) das Organizações das Nações Unidas, em Nagoya, no Japão.

O diretor geral do Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (Inpa), Adalberto Luis Val, também acha que a ampliação da fiscalização, embora seja importante, não vai conter a ação dos biopiratas. “Sou contra botar uma cerca na Amazônia. O que nós temos que fazer é sair na frente dos estrangeiros na exploração da nossa biodiverisade”, afirma ele

O pesquisador lista uma série de dificuldades para combater o uso de recursos do Brasil por estrangeiros na região amazônica, até mesmo de ordem geográfica, como uma área pertencente a um país europeu, a Guiana Francesa. A Amazônia Legal brasileira inclui Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Rondônia e Tocantins e parte do estado do Maranhão. A região amazônica ainda se estende pela Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador, Suriname, Guiana e Guiana Francesa.

“Não temos como fiscalizar o que acontece em todo este imenso território espalhado por vários países. Além disso, como impedir que alguém capture um peixe da Amazônia que acaba indo para o mar ou uma ave que migre do Canadá para o Brasil e depois retorne para a América do Norte?”, questiona ele.

Ele ressalta que as pesquisas na região, que concentra a maior parte da biodiversidade brasileira, ainda estão muito aquém do que seria o mínimo necessário para estudar a biodiversidade local. Ele cita, por exemplo, que há apenas 10 especialistas em taxonomia vegetal (ramo da botânica que se ocupa da classificação das plantas) em toda a Amazônia legal brasileira. “É o tipo de especialista que é vital para a pesquisa da nossa diversidade. Tem que haver investimento não apenas na formação, mas também na fixação de pesquisadores na Amazônia”, acrescenta Val.