segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Mais 10 anos para eliminar o déficit do saneamento

Valor Setorial/Construção Civil
Por Paulo Fortuna

A área de saneamento básico, que apresenta um grande déficit que só poderá ser resolvido no longo prazo, acabou por se transformar numa grande oportunidade para o setor privado, tanto para a realização de obras e venda de equipamentos, quanto para a operação dos sistemas de água e esgoto. Os negócios se tornaram mais promissores com o aumento dos gastos com o setor nos últimos anos e a promulgação da Lei do Saneamento, com regras que deram mais garantias às companhias sobre seus investimentos.

De acordo com dados de 2008 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) compilados pelo Instituto Trata Brasil, os investimentos para melhoria e expansão da rede de abastecimento de água no País passaram de R$ 1,3 bilhão em 2003 para R $ 2,2 bilhões em 2008, um aumento de 12% ao ano. Nesta área, o índice de atendimento da população no abastecimento de água atingiu 81,2%.

O quadro é bem pior no atendimento de coleta de esgoto, com um índice de apenas 43,2%. É deste total somente 34,6% do volume recebe tratamento. Na rede de esgotamento sanitário, os investimentos eram de R$ 1,8 bilhão em 2003 e cresceram a 7,5% ao ano, atingindo R$ 2,6 bilhões em 2008.

Segundo levantamento Trata Brasil junto ao setor, para que todos os brasileiros tenham acesso à rede de água e esgoto tratados são necessários recursos ao redor de R$ 270 bilhões, R$ 185 milhões a mais do que o total previsto para a área nas duas fases do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC 1 e 2) do governo federal, que chega próxima a R$ 85 bilhões.

Se for mantido esse volume médio de investimento previsto entre 2007 e 2014, ao redor de R$ 10 bilhões ao ano, a universalização do saneamento seria atingida apenas entre 2020 e 2025, conforme o secretário nacional de saneamento ambiental, Leodegar da Cunha Tiscoski.

A avaliação do presidente da Associação das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto (Abcon) e da Cab Ambiental, Yves Besse, é de que o setor privado pode ter um papel decisivo para ajudar a reduzir o décifit no setor de saneamento no Brasil. Besse ressalta que a Lei do Saneamento estabeleceu regras para que o setor melhorasse o seu planejamento, o que estimulou a entrada de mais empresas privadas na área, o que já era permitido desde a Lei das Concessões, de 1995, que permite a transferência da administração de um serviço ou bem público à iniciativa privada.

Conforme dados da Abcon, desde 2007 a participação de empresas particulares – sozinhas ou em parcerias com companhias públicas – aumentou de 6% para 10% do total da população urbana atendida no País. “Mas a tendência é de que essa participação continue aumentando, seja através de modelos de concessões plenas ou de parcerias público-privadas”, afirma Besse. A estimativa da Abcon é de que a iniciativa privada represente 30% do setor no País em 2017, o que significaria hoje um atendimento a 45 milhões de usuários. Atualmente, o atendimento à população brasileira é feito principalmente por companhias estaduais (70%) e autarquias municipais (20%).

Segundo o executivo, as concessionárias privadas figuram entre as companhias de saneamento com melhor desempenho na cobertura de água e esgoto. E, destaca ele, podem ampliar a participação no setor inclusive em parceria com empresas públicas, como já vem ocorrendo a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), empresa aberta que tem como principal controlador o governo paulista.

A CAB Ambiental, empresa do grupo Galvão Engenharia presidida por Besse, está entre as empresas que fizeram parcerias com a companhia estadual paulista, nas cidades de Andradina e Castilho. A CAB tem 70% de participação nos negócios. A Sabesp também tem parcerias com companhias privadas nas cidades de Mairinque, com a Foz do Brasil (grupo Odebrecht) e com a espanhola OHL, em Mogi Mirim.

Desde 2008, a CAB mantém uma PPP administrativa com a Sabesp para ampliação do sistema produtos do Alto Tietê, na região Metropolitana de São Paulo. Na área de concessões plenas – na qual a empresa controla diretamente todas as operações de água e esgoto - – a CAB atua em cidades como Mirassol, Palestina, no Estado de São Paulo, Paranaguá, no Paraná, e Alta Floresta, Pontes de Lacerda, Colider, no Mato Grosso. Conforme Besse, a empresa estima um faturamento de R$ 120 milhões em 2010, R$ 40 milhões a mais do que no ano passado.

O setor da construção civil também acredita no potencial das obras de saneamento, mas dirigentes da área avaliam que a falta de planejamento ainda é um fator de atraso na redução dos déficits de água e esgoto. “Não é por falta de recursos financeiros que não são desenvolvidos projetos e obras de saneamento. Há falhas de gestão por parte de municípios que, sem apresentar projetos consistentes, não conseguem acesso às fontes de financiamento”, afirma o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Pesada de Minas Gerais. (Sicopot-MG), Alberto José Salum, que participa da coordenação do Projeto Sanear é Viver, que prepara estudo com sugestões do setor da construção para a área de saneamento e deverá ser entregue ao novo governo federal eleito.

Segundo Salum, o estudo vai propor, entre outros pontos, que na área de saneamento sejam incentivadas parcerias entre o setor público e privado no desenvolvimento de obras e projetos, como ocorreu no programa “Minha Casa, Minha Vida”. “É necessário uma integração entre governo e setor privado para agilizar as obras do setor”, ressalta ele.

Estudo realizado pela Unicamp, encomendado pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), aponta que a área de saneamento básico movimenta hoje R$ 20 bilhões o que representa 0,59% do valor agregado total da economia nacional. Mesmo com todo o déficit no setor, o resultado é superior ao de países desenvolvidos comparados pelos pesquisadores, como Japão, Reino Unido, Bélgica, Alemanha e Itália, onde a média ficou em 0,26%.

O estudo apontou também apontou que para R$ 1 bilhão investido no segmento, seriam gerados 42 mil empregos, R$ 1,6 bilhão de valor da produção, R$ 800 milhões de valor agregado e R$ 76 milhões em impostos diretos e indiretos. Com os investimentos previstos nas duas fases do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC 1 e 2), da ordem de R$ 85 milhões, poderiam ser gerados quase 2 milhões de empregos, entre temporários – principalmente na construção civil – e permanentes.

Frederico Turolla, sócio da consultoria econômica Pezco, avalia que há uma tendência de crescimento do setor privado no saneamento, mas ressalta que as melhores oportunidades de negócio hoje para as companhia hoje estão nas PPPs. “Grandes companhias de saneamento, como a Sabesp e a Copasa, estão buscando parcerias com empresas privadas e isso tende a trazer mais eficiência às operações”, diz ele.

Turolla acrescenta que os megaeventos esportivos programados para o Brasil nos próximos anos, como a Copa do Mundo de 2014, podem ser grandes catalizadores para projetos de investimento em infraestrtura, mas lamenta que muitas das cidades-sede ainda apresentem índices negativos de cobertura de água e esgoto.

“Há grandes oportunidades de negócios na área de saneamento não apenas na contratação de obras, mas também no setor de vendas de equipamentos e de serviços, como sistemas de gestão e redução de perdas”, afirma a presidente da
da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), Cassilda Teixeira de Carvalho.

Ela lembra que a maior parte dos financiamentos para o saneamento hoje está atrelada a programa de melhoria de eficiência das empresas que, em alguns casos, chegam a desperdiçar mais da metade da água captada por falta de gestão adequada do sistema.

Segundo a presidente, a área de saneamento no Brasil vem atraindo inclusive o interesse de fornecedores de equipamentos internacionais, como do Canadá, Espanha e Portugal. Mas, segundo lembra, o maior gargalho hoje do setor está no fornecimento de mão-de-obra. “Há falta de profissionais na área de saneamento no País. Os que existem já estão contratados e os que estão sendo formados são insuficientes para atender a demanda”, diz.

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