sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Falta de esgoto eleva taxa de mortalidade infantil

Paulo Fortuna
Para o Valor, de São Paulo

A expansão do saneamento básico no Brasil pode ter como resultado direto a melhoria de diversos indicadores sociais do País, passando pela redução dos índices de mortalidade infantil e dos afastamentos do trabalho causados por doenças infecciosas. Mais água e esgoto para a população reduziriam também
os custos do Sistema Único de Saúde (SUS) com internações relacionadas a essas doenças.

“Não há como reduzir as taxas de mortalidade infantil sem melhorar a cobertura de saneamento básico”, afirma o pediatra Evandro Roberto Baldacci, professor livre-docente da Universidade de São Paulo (USP). De acordo com Baldacci, a deficiência na cobertura de água e esgoto é um componente central para os altos índices de mortalidade infantil no Brasil, sobretudo no Norte e Nordeste no Brasil.
“É um acinte a forma como a questão do saneamento tratada nestas regiões. Em Manaus estão construindo um estádio de R$ 400 milhões para a Copa do Mundo, enquanto a maioria da população não tem acesso ao saneamento”, destaca o professor.

Estudo realizado pelo Institute for Health Metrics and Evaluation e divulgado neste ano pela revista médica britânica The Lancet, apontou uma melhoria expressiva nas taxas de mortalidade infantil no Brasil, mas trouxe dados preocupantes quando mostram o quadro em áreas onde o saneamento é precário. A taxa caiu 61,7%, passando de 52,04 mortes por mil nascimentos em 1990 para 19,88 mortes por mil nascimentos em 2010, mas no ranking de estados com maior índice as oito primeiras posições são de unidades do Nordeste, onde o saneamento tem desempenho abaixo da média nacional.

Dados do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS), do final de 2008, mostram que 57% dos brasileiros não têm acesso ao esgoto coletado. Os estados com maior déficit são Piauí (com 97,49%), Amapá (96,44%), Rondônia (96,2%), Pará (95,1%) e Maranhão (88,63%).

De acordo com Baldacci, enquanto no Norte/Nordeste 25% da mortalidade infantil está relacionada a doenças diarréicas, no Sul/Sudeste o índice é de 10%. “Essa diferença está diretamente relacionada à melhoria dos serviços de saneamento”, diz ele.

Segundo o professor, uma criança numa área urbana na região Nordeste tende a apresentar uma média de seis episódios de doenças diarréicas por ano, enquanto que numa área rural o número sobe para oito. “Em São Paulo, a média de ocorrências é de 1,6 ano ao ano, um número melhor até dos que nos Estados Unidos, embora ainda abaixo dos países nórdicos”, afirma Baldacci.

Estudo realizado pelas pesquisadoras do Departamento de Saúde Ambiental da USP, Maria Tereza Razzolini e Maria Günther, intitulado “Impactos na Saúde das Deficiências de Acesso a Água" apontou que quase 80% dos casos de febre tifóide e paratifóide, 60% a 70% dos casos de tracoma e esquistossomose, além de 40% a 50% das doenças diarréicas e outras parasitoses, poderiam ser evitadas com a implantação adequada de saneamento ambiental no Brasil.

As pesquisadoras estudaram uma área de invasão na Grande São Paulo, próximo a um manancial, onde não existe uma rede de água e esgoto pública em funcionamento. Ou seja, mesmo numa região mais rica, a questão do saneamento pode ser problemática. De acordo com a pesquisadora Maria Tereza Razzolini, na falta de rede de esgoto, os moradores da área recorriam a fossas improvisadas, que fatalmente provocavam contaminações e contribuíam para pior a saúde local da população.

A pesquisadora avalia que os aumentos dos investimentos na área de saneamento no País são importantes na melhoria de qualidade de vida da população, mas a questão também deve ser tratada de forma abrangente, como política pública . “A política de saneamento deve levar em conta outros fatores, como por exemplo, a questão da habitação, já que nas áreas de moradias irregulares a população não costuma de ter acesso à água e esgoto”, diz Maria Tereza.

Estudo realizado pelo Instituto Trata Brasil mostra que a universalização da água e esgoto no País teria grande impacto no sistema público de saúde. De acordo com o estudo, num município de 100 mil habitantes sem saneamento, são esperados 450 casos de doenças gastrointestinais em um ano, número que cairia para 229 numa cidade do mesmo porte com água e esgoto universalizados.

Com base nesta comparação, o Trata Brasil conclui que a cobertura total reduziria o número de casos no País de 462 mil para 343 mil. Por ano, os gastos com internações no Sistema Único de Saúde (SUS) com essas doenças chegam a R$ 161 milhões, uma conta que não leva em consideração, por exemplo, o que o paciente gasta com remédios.

O estudo apontou que o custo anual estimado em horas pagas e não trabalhadas por conta de doenças relacionadas à falta de esgotamento sanitário é de R$ 547 milhões. Já considerados os demais fatores que interferem na frequência de afastamentos, a probabilidade de uma pessoa com acesso à rede de coleta de esgoto se afastar das atividades por qualquer motivo é 6,5% menor que a de um trabalhador com acesso a essa infra-estrutura, aponta a análise. No caso de afastamento por diarréia, a diferença é ainda maior: de 19,2%. O acesso universal à rede, conforme o estudo, faria esse custo cair para R$ 238 milhões por ano.

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