quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Liderança hesitante

Revista Conselhos
Publicação da Fecomercio-SP
Por Paulo Fortuna

Ao tomar posse em janeiro, a presidente eleita Dilma Rousseff terá que como desafio não somente garantir, internamente, que o País mantenha uma rota de crescimento sustentável mas, no campo externo, terá que lidar com uma nova perspectiva de liderança num novo cenário em que os Brics – o grupo de formado por Brasil, Rússia, Índia e China – passaram a ter papel mais decisivo na orquestração global. Para especialistas presentes ao debate “Brasil como Potência Emergente; desafios e opções”, realizado pelo Conselho de Relações Internacionais da Fecomercio-SP em parceria com a Fletcher Scholl, dos Estados Unidos, é extensa a agenda de ações estratégicas a serem deflagradas pelo novo governo brasileiro. Todo o conteúdo desta reportagem foi extraído do evento ocorrido em 21 de outubro na sede da Fecomercio, na capital paulista.

Na avaliação do presidente do Conselho de Relações Internacionais da Fecomércio, Mario Marconini, apontou que as discussões sobre a industria, taxa de câmbio e a crescente invasão da indústria chinesa são pontos
centrais para o futuro da economia brasileira.

Ele também assinalou que o Brasil também deve procurar o seu próprio modelo de crescimento, que pode se diferenciar, por exemplo, do adotado por países asiáticos. “A Ásia também teve que aprender algumas lições que não precisamos aprender”, referindo-se às crises enfrentadas por países da região no passado recente.

O embaixador Rubens Barbosa, que liderou a missão brasileira em Londres e Washington, apontou que o País precisa de “mudanças profundas” para, de fato, exercer essa liderança. Segundo ele, a estratégia comercial adotada nos últimos oito anos pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, tendo o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, à frente, não foi a mais adequada, ao dar prioridade a acordos multilaterais e não bilaterais.

Barbosa avaliou que a estratégia de privilegiar as relações comerciais com novos mercados pode ter ajudado o Brasil por conta do cenário de crise nos EUA e na Europa mas, segundo ele, não é uma boa estratégia, a longo prazo, deixar em segundo plano as maiores economias do mundo. “Essa crise vai passar”, lembrou o embaixador, destacando que hoje os Estados Unidos respondem atualmente por menos de 10% das exportações brasileiras.

De acordo com o embaixador, é necessário que o Brasil também repense a questão da integração regional, ainda mais por conta de um novo fator cada vez mais preocupante: a China, que vem aumentando a sua influência econômica na América Latina, inclusive concorrendo com produtos brasileiros. “A China vem aumentando sua presença na região e disputa com o Brasil o espaço vazio deixado pelos EUA”, ressaltou Barbosa.

O embaixador destacou que exercer um papel de liderança, ainda que regional, não é uma tarefa tão simples. “Há muitas diferença entre os países da região e elas vão se acentuar ainda mais se o Brasil continuar crescendo nos mesmos níveis, lembrou Barbosa.

Ainda no cenário externo, o embaixador disse que País também precisa repensar as relações mantidas com países que não respeitam os direitos humanos - numa referência à aproximação entre a diplomacia brasileira e iraniana.

O Irã, lembrou Barbosa é um dos motivos para o estremecimento das relações entre o Brasil e os Estados Unidos, somando-se à disputa no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) por conta dos subsídios aos produtos de algodão americanos. O Brasil, após decisão da OMC, conseguiu o direito de aplicar contra-medidas a produtos dos EUA. Ocorreram negociações para adiar as sanções, mas elas não prosperaram. “Estamos no meio de uma crise nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos”, ressaltou o embaixador.
“É preciso repensar tudo para exercer um papel de liderança. Para isso, você tem que agir como líder e o Brasil não está agindo”, opinou ele.


Barbosa destacou a questão da competitividade do Brasil no cenário internacional que, segundo ele, depende de mudanças estruturais na nossa economia. Ele lembrou os altos custos enfrentados pelas empresas brasileiras que são gerados, por exemplo, pelas deficiências no sistema de infra-estrutura que encarecem os transporte de mercadorias. Investir em infra-estrutura é ainda mais fundamental por conta da realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas do Rio em 2016, destacou o embaixador.

O embaixador ressaltou que a questão cambial terá ser enfrentada pelo próximo governo, por conta da deterioração das exportações e das contas externas. Ele colocou ainda, como tópicos importantes, reduzir as despesas públicas e elevar o nível de poupança interna.


O debate foi mediado pelo presidente do Conselho de Relações Internacionais da Fecomércio-SP, Mario Marconini. Ele ressaltou que as discussões sobre a industria, taxa de câmbio e a crescente invasão da indústria chinesa são pontos
centrais para o futuro da economia brasileira.

Marconini também assinalou que o Brasil também deve procurar o seu próprio modelo de crescimento, que pode se diferenciar, por exemplo, do adotado por países asiáticos. “A Ásia também teve que aprender algumas lições que não precisamos aprender”, referindo-se às crises enfrentadas por países da região no passado recente.

Reformas

Já o presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setúbal, também presente ao simpósio, avaliou que reformas mais profundas não são tão necessárias ou urgentes, ao menos para sustentar o elevado crescimento econômico de 2010 pelos próximos anos. “Com microrreformas setoriais, o País pode manter o ritmo de 7% de avanço do Produto Interno Bruto (PIB) por um bom tempo”, destacou Setúbal, que comanda o maior conglomerado financeiro privado brasileiro.

Setúbal argumentou sobre a dificuldade prática de serem aprovadas no Brasil grandes reformas, como a tributária, trabalhista e política. “Essas reformas causariam discussões intermináveis e o País iria parar por meses. Ao final, poderiam nem alterar tanto as coisas”, destacou o executivo.

O presidente do Itaú Unibanco resssaltou que reformas que exigissem mudanças na Constituição exigiriam uma grande maioria no Congresso e o PMDB, que seria o fiel da balança, não é um partido que costuma ter posição única.

Setúbal preferiu ressaltar que medidas pontuais já tomadas no Brasil tiveram grande efeito prático, inclusive no setor financeiro. “Veja o caso da criação do crédito consignado, que produziu uma revolução em termos de crédito à pessoa física no Brasil", disse ele, que também citou como grande avanço a Lei das Falências. Ele ressaltou ainda que também não foi necessária uma reforma mais profunda para aprovar a Lei da Ficha Limpa, que barrou políticos condenados pela Justiça.

Sobre o novo papel de liderança do Brasil e dos Brics no cenário global, Setúbal demonstrou pouco otimismo. “O Brasil não está preparado para exercer essa liderança e os outros Brics também não”, opinou.

Potência

A vice-presidente do Banco Mundial para América Latina e Caribe, Pamela Cox, destacou que o Brasil terá que decidir qual será o papel que desempenhará num
cenário em que a hegemonia política e econômica, exercida há mais de um século pelos Estados Unidos e os países europeus, continuará se enfraquecendo, enquanto a liderança geopolítica passa a ser exercida pelos países emergentes, tendo os integrantes dos Bric - à frente.

Pamela Cox acha que o Brasil "já é uma potência", mas ressaltou que o país está num ponto crítico e há problemas que devem ser resolvidos. "É preciso investir no futuro. Não se pode depender somente do crédito público, as empresas precisam inovar e ter mais produtividade, e o País precisa investir pesadamente em infra`-estrutura e logística", afirmou, lembrando as dificuldades enfrentadas pelo exportadores brasileiros, por conta dos altos custos de transporte.

A executiva do Banco Mundial disse também que o Brasil precisa fortalecer o seu mercado de capitais, incentivando os investidores locais, para não depender excessivamente de recursos vindos do exterior.

A executiva ressaltou que todas essas mudanças têm que ser combinadas com investimentos em educação e conhecimento.

Pamela Cox destacou que a expansão economia nos últimos anos e o crescimento da classe média pode ser um fator positivo na cobrança de desempenho do governo. “Uma classe média forte vai querer responsabilidade por parte do governo, porque paga impostos”, lembrou ela.


O reitor da Fletcher School, Stephen Bosworth, conselheiro da Casa Branca para assuntos das Coréias, também destacou a importância do aumento da classe média brasileira. “O Brasil ganha a dianteira, porque incorporou milhões de pessoas à classe média, algo que os brasileiros deveriam se orgulhar". Mas igualmente alertou para a necessidade de o país acelerar investimentos em infra-estrutura e educação.

Bosworth também chamou a atenção sobre o crescimento da China no cenário global e as ações que o país tem realizado para manter seus altos níveis de crescimento. “A China está investindo fortemente em infra-estrutura dentro do país e comprando jazidas e terras em diversas partes do mundo”, destacou o reitor da Fletcher.

Internacionalização

O embaixador Rubens Barbosa destacou, durante o simpósio, a internacionalização das empresas brasileiras e a importância da competitividade do País para que esse processo continue avançando.

Barbosa lembrou que no campo do agronegócio o País investiu em tecnologia e se tornou um player global. “O Brasil é o único país que pode abastecer o mundo com qualquer tipo de produto”, ressaltou.

Já o presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setúbal, avaliou que as empresas brasileiras devem continuar ampliando seus esforços no exterior, embora tenha ressaltado que no setor financeiro o processo caminha mais lentamente.

No que se refere ao Itaú Unibanco, ele afirmou que a tendência é continuar olhando para operações na América Latina. Mas, segundo ele, a velocidade de expansão vai depender das oportunidades de comprar novos ativos nos outros países da região. “Um banco não é como uma indústria, que pode chegar a um país e começar a produzir do zero. É necessário comprar um ativo local para iniciar as operações já com uma base de clientes”, ressaltou.

Para ele, as empresas precisam se perguntar por que precisam ter operações no exterior. "O país cresce forte, o mercado consumidor está em clara expansão e as perspectivas são ótimas", destacou Setúbal.

Mas, segundo Setúbal, há casos em que as operações externas apresentam grande vantagem, citando nominalmente o caso do concorrente Santander, banco espanhol que tem forte presença no mercado brasileiro e na América Latina.

"O Santander tem operações no Brasil e em outros países. Se estivesse apenas na Espanha seria um problema neste momento", se referindo à crise enfrentada pelo país sede do seu concorrente. "Hoje, as operações do Santander em outros países são muito importantes", complementou.

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