segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A pauta do crescimento

Paulo Fortuna
Revista da Indústria
Publicação da Fiesp

As projeções do Indicador do Nível de Atividade (INA) da Fiesp apontam para um crescimento de 10,1% sobre 2009, quando a atividade industrial de São Paulo mostrou queda de 8%. A demanda doméstica foi decisiva para o resultado deste ano, mas os resultados poderiam ser ainda melhores se o setor de manufaturados não fosse afetado pelo cenário que reduziu a competitividade das exportações e ampliou as importações para o mercado brasileiro. O coeficiente de importação, que avalia o peso dos produtos importados sobre o consumo do País, já bateu seu recorde histórico.

O diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (Depecon) da Fiesp, Paulo Francini, destaca que a retomada do mercado interno foi decisiva
para o setor industrial se recuperar neste ano. “A combinação do aumento de renda com a expansão do crédito se reflete na geração de emprego e cria uma
maior demanda no mercado interno que é favorável à atividade industrial”, afirma Francini. O estoque de crédito, por exemplo, aumentou em termos reais 14,1% em agosto de 2010 quando comparado com o mesmo mês do ano anterior.

O diretor do Depecon lembra que a base de comparação é com 2009, quando muitos setores ainda mostraram os efeitos da crise financeira mundial. Francini
ressalta que o desempenho do setor industrial poderia ser ainda melhor não fosse o cenário desfavorável provocado principalmente pela sobrevalorização do real em relação ao dólar, que prejudicou a competitividade das empresas brasileiras.

“Há um sinal de alerta sobre o que pode acontecer em 2011”, destaca Francini,
Para que o processo de recuperação perdure no próximo ano, ressalta o diretor,
será essencial que o novo governo que se inicia em janeiro próximo enfrente, além do desequilíbio cambial, outras questões importantes que também afetam o desempenho do setor industrial. “A Selic permanece em níveis elevados e isso
continua a provocar uma migração de capitais para o setor financeiro”, exemplifica o diretor, que também citou a elevada carga fiscal que incide sobre o setor produtivo.

“Há uma guerra cambial em curso no mundo e o Brasil precisa repensar as suas estratégias”, acrescenta Francini. O diretor aponta que uma das medidas para conter a entrada de dólares no País – e reduzir a pressão sobre o câmbio – seria uma redução progressiva das taxas de juros básicos, que poderia conter o fluxo de capital externo especulativo. Mas, lembra Francini, seria necessário
que houvesse espaço fiscal para a adoção de medidas como essa, ou seja, o governo teria que controlar os seus gastos.

O diretor espera que próximo governo esteja atento sobre os riscos de desindustrialização por conta das políticas que prejudicam o setor. “Na nossa visão, o setor industrial é parte essencial do processo de crescimento do Brasil. Não há país no mundo que tenha se tornado grande sem a participação da sua indústria”, afirma Francini.

Desempenho

Dentre os 17 setores considerados pelo INA, o desempenho positivo em 2010
é esperado para 14 – Máquinas e Equipamentos, Veículos Automotores, Máquinas, Aparelhos e Materiais Elétricos, Metalurgia Básica, Produtos Metálicos, Artigos de Borracha e Plástico, Produtos Minerais não Metálicos, Móveis, Máquinas e Equipamentos para Escritório e Informática, Alimentos e Bebidas, Produtos têxteis, Equipamentos de Transporte, Celulose e Papel e Produtos Químicos.

O setor de Máquinas e Equipamentos é o que deve apresentar o maior crescimento em 2010, de 23%. Foi justamente o setor mais afetado pela crise no ano passado, em que produção caiu 24,4%. O reaquecimento da demanda doméstica alavancou as encomendas do setor, mas também houve uma contribuição importante de incentivos governamentais como o Programa de Sustentação de Investimento (PSI) do BNDES, que oferece condições financeiras mais favoráveis para a aquisição de bens de capital.

O setor de Veículos Automotores aponta para um crescimento de 16,6% para 2010. A isenção do IPI entre o final de 2008 e março de 2010 para os carros novos foi um grande fator de impulso para as vendas. No caso de caminhões e tratados, o incentivo foi prorrogado final de dezembro. Além disso, o crédito para aquisição de veículos em termos reais aumentou 35,5% em agosto de 2010 frente ao mesmo mês de 2009. O setor de Máquinas, Aparelhos e Materiais Elétricos é o terceiro no ranking de crescimento, com alta prevista de 15,6% .

Dentre os setores com previsão de queda na produção, destaque para o de Material Eletrônico e Equipamentos de Comunicação, um bem que passou a fazer parte da cesta de consumo das faixas de menor poder aquisitivo por conta do aumento da renda. A queda de 0,3% na produção ocorreu principalmente em razão da aceleração das importações de produtos da área. Seu coeficiente de importação aumentou de 26,1% para 44,6% entre 2003 e 2009, e o avanço dos produtos vindos de fora, em razão do câmbio, continua crescendo. No terceiro trimestre deste ano, o coeficiente ficou em 53,8%.

A redução prevista de 1,2% no setor de Coque, Refino de combustível e Álcool pode ser explicada principalmente pela alteração do mix de produção no setor de açúcar e etanol em São Paulo O aumento das exportações de açúcar refinado e em bruto deslocou a utilização da cana da produção de álcool. Por conta do declínio da oferta de etanol, o governo federal foi obrigado a reduzir
a mistura compulsória de álcool na gasolina em fevereiro deste ano.

Ameaças

O diretor-titular do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Derex) da Fiesp, Roberto Gianetti da Fonseca, alerta para os riscos de desindustrialização da pauta de exportações do País e para a crescente participação de produtos manufaturados importados no mercado doméstico. De acordo com dados do Derex, o déficit comercial em manufaturados atingiu US$ 51,9 bilhões até setembro, com importações de US$ 109,2 bilhões e exportações de US$ 57,4 bilhões. Segundo Gianetti, a previsão é de que o déficit possa chegar a U$ 65 bilhões em 2010 e, se nada for feito, o valor em 2011 poderia atingir US$ 80 bilhões.”O País assiste passivo à deterioração da nossa pauta de exportações”, afirma o diretor.

Gianetti destaca que o setor industrial vem alertando que os índices de
Coeficiente de Importação (CI) – cálculo que avalia o peso das importações sobre o consumo aparente no País - mostram tendência de alta constante já há alguns anos e, em sua avaliação, o governo não vem tomando medidas para reverter o quadro. No primeiro trimestre de 2006, o CI era de 15,5%, índice que no segundo trimestre de 2010 atingiu 20,7% e que nos três meses seguintes alcançou 22,7%, batendo o recorde histórico.

Números do Derex apontam que os importados vêm ganhando cada vez mais espaço nas vendas de produtos industrializados no mercado brasileiro. No terceiro trimestre do ano, enquanto o consumo aparente de manufaturados subiu 12,9%, a produção local teve alta de 7,9%, enquanto as importações cresceram 41,7%. “Quem está se beneficiando do aumento de consumo é o produto importado e não o nacional”, diz Gianetti.

O diretor também alerta para os efeitos negativos da reversão da pauta de exportações do País. Em 2010, após 32 anos, as vendas externas de produtos manufaturados serão menores do que a de produtos básicos. Dados da Fiesp indicam que os produtos básicos ficarão com 47% das exportações, enquanto os manufaturados chegarão a 38%. “A situação ficará igual a dos anos 30, quando o País dependia apenas do café. Agora será cana, soja e minério”, diz ele.

“Não tenho nada contra a exportação de commodities, mas são produtos cujos preços enfrentam uma grande volatilidade externa. Além disso, esses setores não capazes de gerar todos os empregos que o País precisa”, completa o diretor.

Gianetti destaca que a indústria nacional tem condições de competir com os artigos importados, desde sejam estabelecidas as condições de igualdade econômica que hoje não existem. Para reverter o quadro, Gianetti sugere ao novo governo da presidente Dilma Rousseff a adoção de uma “vacina tríplice”, que incluem medidas cambiais para elevar o risco do capital especulativo e, com isso, conter a sobrevalorização do real; a devolução em até um ano dos créditos tributários aos exportadores que, segundo ele, vem sendo postergada pelo governo federal, e a redução imediata dos tributos sobre investimentos em infraestrutura logística, que acabam encarecendo os custos para os exportadores.

No campo do incentivo às exportações, Gianetti defende que a Câmara de Comércio Exterior (Camex) seja fortalecida e ganhe maior representatividade dentro do governo. A proposta do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp é dar ao titular da Camex um status de ministro, diretamente indicado pelo presidente da República.

Gianetti acredita que a Camex carece hoje de maior estrutura, inclusive em relação ao quadro de funcionários, da mesma forma que o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), ao qual está vinculada.

Segundo Gianetti, o quadro desfavorável para a indústria nacional em relação aos importados fez com que muitas empresas nacionais, pressionadas pelos custos, abandonassem a produção local e passaram a ser importadores. Outras
companhias ampliaram o uso de componentes importados em suas linhas de produção. “O empresário faz isso por uma questão de sobrevivência. Este cenário leva ao fechamento de fábricas e aumento de desemprego”, afirma o diretor.

Futuro

O economista Douglas Uemura, da LCA Consultores,, avalia que o setor industrial deve continuar a crescer no ano que vem, mas num ritmo menos acelerado, acompanhando a curva de aumento do Produto de Interno Bruto (PIB). Segundo estimativa da LCA, o PIB deve fechar em 7,2% de alta em 2010 e de 4,5% no ano que vem. “A demanda interna deve continuar aquecida em 2011, mas num ritmo de crescimento mais moderado, até mesmo porque 2010 foi um ano de recuperação da economia”, destaca o economista.

Uemura também vê com preocupação o aumento das importações de manufaturados, mas ressalta que há outras fatores, além do câmbio, que prejudicam a competitividade brasileira, principalmente em setores como eletroeletrônicos. “São necessários mais investimentos em pesquisa e inovação tecnológica para que o Brasil não continue a perder mercado para outros países que têm se destacado nestas áreas, principalmente os asiáticos”, diz ele.

O economista André Sacconato, da Tendências Consultoria Integrada, também aponta a questão do câmbio como essencial para o desempenho da indústria nacional, mas avalia que há pouca margem para o governo mudar esse cenário e acha que outras medidas específicas devem ser adotar para ampliar a competitividade do setor.

“Câmbio é preço e isso afeta os setores exportadores e facilita as importações. Mas o que há para fazer com relação a isso, o governo já tem feito. Qualquer medida mais efetiva para controlar o câmbio pode ter mais efetivos negativos que positivos, pois isso pode afastar os investimentos externos”, diz Sacconato.

O economista defende que o governo incentive os investimentos em infraestrutura, ampliando as concessões de rodovias, portos e rodovias, áreas em que o setor público, lembra ele, não tem mostrado capacidade para investir e gerenciar sozinho. “Com certeza, até por conta da conjuntura favorável ao Brasil, haveria interesse do mundo inteiro em investir nestes setores, o que daria grande impulso a diversas áreas da indústria”, destaca Sacconato

Ele lembra que a proximidade da Copa do Mundo de 2014 seria mais um motivo para reduzir as deficiências na infra-estrutura do País. “Não podemos correr o risco de um fiasco na Copa por conta de problemas com os aeroportos, por exemplo”, diz Sacconato.

Uemura também apóia mais investimentos em infraestrutura, não apenas para incentivar a atividade econômica, mas também para o País ganhar competitividade e enfrentar melhor a concorrência externa. “Estamos muito atrás em infra-estrutura, inovação tecnológica e educação e temos que investir nestes setores se queremos competir globalmente”, destaca ele.

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