sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Cobrança por uso da água avança de forma lenta

Paulo Fortuna
Para o Valor, de São Paulo

A cobrança pela utilização da água para o abastecimento e uso nos setores produtivos foi autorizada há 13 anos, quando foi aprovada a chamada Lei das Águas, mas a universalização das tarifas nas bacias hidrográficas do País ainda está distante. Até hoje, em rios de domínio da União, apenas as bacias do Rio Paraíba do Sul e dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí ( PCJ) na região Sudeste, estabeleceram uma cobrança sistemática nos últimos anos. A Bacia do São Francisco começou a cobrar dos usuários em julho último e a Bacia do Rio Doce deve implantar as tarifas em 2011. Atualmente existem 140 comitês de bacias hidrográficas em todo o país e 27 conselhos estaduais e do Distrito Federal.

Com relação aos rios de domínio estadual, a cobrança mo Rio de Janeiro começou em 2004 e já implementada em todas as bacias do estado. Em São Paulo, as bacias dos rios Paraíba do Sul e PCJ que pertencem ao Estado implantaram as tarifas em 2007, com base em mecanismos e valores semelhantes àqueles praticados nos rios de domínio da União. Em Minas Gerais, a cobrança foi iniciada em 2010 nas bacias dos rios Velhas, Araguari e Piracicaba/Jaguari, também seguindo os mecanismos definidos para os rios de domínio da União nestas bacias. A cobrança feita pela União engloba os rios e outros cursos d’água que englobam mais de um estado da federação. Quando a área fica somente dentro de um estado, a tarifa é estadual.

O pagamento pela utilização da água bruta nestes casos é feito por usuários que geram algum tipo de atividade econômica, como por exemplo, os irrigantes, o setor elétrico, as indústrias, empreendimentos de turismo e companhias de saneamento que usam ou retiram água de uma determinada bacia. Mas é isento de cobrança quem realiza captações de água que não ultrapassam a cinco metros cúbicos por dia.

Apenas na área da União, o valor arrecadado hoje fica em torno de R$ 80 milhões por ano, mas poderia chegar a R$ 500 milhões se fosse aplicada em todas as bacias de domínio nacional, calcula o presidente da Câmara Técnica de Cobrança pelo Uso da Água do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), Rodrigo Speziali.

De acordo com Speziali, a cobrança de tarifas com base na Lei das Águas avançou no Sudeste porque há mais “conflito de uso”, ou seja a demanda é elevada principalmente por conta do Produto Interno Bruto (PIB) mais elevado, com grande concentração de indústrias próximas às bacias.

O gerente de Cobrança da Agência Nacional das Águas (ANA), Patrick Thomas, lembra que a decisão da cobrança, conforme determina a legislação, é de responsabilidade das próprias bacias. Segundo ele, nem todas as bacias já ser organizaram para estabelecer as tarifas e, em muitos, a cobrança pode nem ser uma prioridade. “Na região amazônica, por exemplo, não faria muito sentido estabelecer uma cobrança agora”, exemplifica.

Thomas defendeu uma mudança nos valores nas tarifas atuais estabelecidas pelas bacia, que ele considera baixas. Para ele, tarifas mais elevadas não somente aumentariam a capacidade de investimento das próprias bacias, mas também ajudariam a disciplinar o uso da água. “Muitos usuários possuem outorgas de uso de água acima do que seria necessário. Com tarifas mais elevadas, com certeza o uso seria racionalizado, com ganhos para todo o sistema da bacia”, diz o gerente.

A racionalização do uso da água foi justamente o principal resultado da cobrança de tarifas nas bacias PCJ, destaca o coordenador geral da Agência de Água PCJ/Consórcio PCJ, Francisco Castro Lahóz. A tarifa começou a ser cobrada em 2006 – foi a segunda do País, após a Paraíba do Sul, de 2003 – e diversos usuários, afirma Lahóz, começaram então a investir na melhoria da gestão do uso da água, inclusive com estações de tratamento de esgoto.

Segundo o coordenador, antes de ser implantada, a cobrança foi discutida com os usuário e, inicialmente, abrangia somente 60% da tarifa e passou a 100% há dois anos. “Optamos por implantar a cobrança de forma paulatina, para que os usuários se acostumassem com a tarifa e se conscientizassem da importância do uso racional da água”, diz ele.

O sistema de tarifas exige o pagamento pela captação, pela água consumida e pela carga orgânica presente nos efluentes despejados. Segundo a tabela da Agência PCJ, a captação de água bruta superficial, o consumo de água bruta e o lançamento de carga orgânica DBO (demanda química de oxigênio) custam aos usuários, respectivamente, R$ 0,01 por metro cúbico, R$ 0,02 e R$ 0,10. O coordenador diz que há planos de rever estes valores no futuro, mas não há qualquer decisão tomada sobre a questão.

De acordo com Lahóz, a PCJ recebe tarifas tantos dos rios da área da União, quanto nos de São Paulo e Minas Gerais, embora, neste último caso, a tarifa só tenha começado a ser cobrada no ano passado e ainda seja insipiente. No total, a PCJ arrecada anualmente R$ 40 milhões, sendo R$ 17 milhões da área da União e o mesmo valor das tarifas estadual. O restante são os royalties pagos pelo governo do estado devido a áreas inundadas para a geração de energia elétrica.

De acordo com o coordenador, os recursos são utilizados principalmente em projetos voltados para melhorar a gestão das bacias PCJ. Por exemplo, a implantação de um sistema de monitoramento de acidentes, projetos para redução de perdas de água nas concessionárias de água e esgoto na região, além de cursos de capacitação na área de saneamento. Os recursos, reconhece Lahóz, são modestos em relação à necessidades de investimento de saneamento na área destas bacias, considerada “crítica” pela grande concentração industrial e com uma população que supera 5 milhões de pessoas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário