segunda-feira, 21 de março de 2011

Carga Pesada

Paulo Fortuna
Para o Valor, de São Paulo

Os sucessivos recordes de arrecadação do Imposto de Renda (IR) no Brasil abrem espaço para discutir mudanças no sistema de tributação de instrumentos financeiros que ampliem o volume de investimentos no País. As principais propostas das entidades e especialistas do setor são a redução da tributação de IR para os fundos de investimentos e títulos privados, principalmente no longo prazo, e a garantia de isonomia da cobrança do imposto nas aplicações.

O vice-presidente da Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (Andima), Sergio Cutulo, afirma que a desoneração de IR estimularia a competitividade dos investimentos de longo prazo, o que seria benéfico para todo o mercado e as empresas que necessitam de financiamento. “Temos que estimular o duration das aplicações para que elas possam financiar os investimentos”, diz Cutulo.

Ele lembra que já há modelos de desoneração de IR, por exemplo, nas aplicações financeiras realizadas pelos fundos previdência privada, quando o IR só é cobrado no momento em que o pensionista resgata a sua cota.


Anbima também evitar o que classifica de assimetria no tratamento tributário dos investimentos financeiros. Uma das propostas da entidade é que todas as aplicações de uma carteira de investimentos passem a pagar a mesma alíquota de tributação, que seria baseada unicamente no período da aplicação. Dessa forma, ações e renda fixa, por exemplo, teriam a mesma alíquota de IR dentro de uma carteira.

Ainda dentro das propostas de isonomia dos investimentos, A Anbima sugere a mudança da tributação dos investidores estrangeiros que aplicam em fundos de ações. Hoje, quando um estrangeiro compra diretamente ações, não há a incidência de IR, diferentemente do que acontece no caso dos fundos. Segundo Cutulo, o resultado é o desestímulo aos investimentos no mercado de fundos de ações no Brasil. “Estamos exportando investimentos”, diz o executivo.

A entidade também sugere mudanças na tributação do come-cotas, que é o
IR cobrado no último dia útil dos meses de maio e novembro para os fundos de investimento, sem prazo de carência. Ou com prazo de carência superior a 90 dias. O imposto é pago na diminuição da quantidade de cotas que o investidor tem aplicado no fundo. Conforme Cutulo, o ideal seria adotar um sistema de come-cotas anual, estimulando um período mais longo de aplicação. “Não podemos penalizar o investidor que investiu no longo prazo”, afirma ele.

“A cobrança de IR no Brasil deveria privilegiar o desenvolvimento e não somente a arrecadação”, afirma o coordenador da Comissão de Impostos do Instituto Brasileiro de Executivos Brasileiros de São Paulo (Ibef-SP), Roberto Goldstajn. Na avaliação de Goldstajn, a carga tributária do País, incluindo o alto valor cobrado de IR sobre o lucro da empresas, atrapalha a competitividade das empresas nacionais e é um entrave para novos negócios.

O vice-presidente da diretoria executiva do Ibef-SP, André de Souza, reconhece que o governo já adotou algumas medidas de desoneração de IR para determinados setores e investimentos, mas acha que ainda estão “aquém do desejável” para o potencial do País.

Souza cita como exemplo positivo a lei que permite abater do IR os investimentos e tecnologia e pesquisa. Ele também aprovou a Medida Provisória (MP), editada no final do ano passado, que desonerou o IR incidente sobre o rendimento de debêntures emitidas por empresas para financiar projetos específicos de infraestrutura. As pessoas físicas e os estrangeiros que comprarem esses papéis de dívida deixarão de pagar imposto e a alíquota para as pessoas jurídicas cairá a 15%. A MP fez parte de um pacote de estímulo de financiamentos de longo prazo, que também foi aplaudido por Sergio Cutulo, da Anbima.

No início de janeiro deste ano o governo decidiu incluir também os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) no pacote. Os investidores estrangeiros ficarão isentos do pagamento de IR caso comprem recebíveis que sigam as mesmas características das debêntures beneficiadas pela MP. As pessoas físicas já contavam com um incentivo tributário ao comprar o CRI.

O economista-chefe da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Rubens Sardenberg, também defende uma maior desoneração de investimentos de longo prazo, mas acha que não precisam ser necessariamente destinados a projetos específicos. “Grandes obras de infraestrutura nem sempre são de fácil implementação”, diz ele.

Segundo Sarbenberg, o importante que, independentemente da modalidade do investimento no longo prazo, mais recursos ficarão disponíveis. Para o economista-chefe, entretanto, é necessário criar mecanismos para que esses investimentos não inibam o mercado secundário de títulos.

Sardenberg acrescenta que também é necessário que se discutam mudanças na estrutura de cobrança do IR das pessoas físicas. O economista-chefe acha que a tributação de IR na fonte, por exemplo, poderia ser revista. “A tributação de IR na fonte e decorrente do período de inflação alta, que não tem mais lógica atualmente”, afirma Sardenberg.

O sócio-diretor da JR&M Assessoria Contábil, José Roberto Filho, lembra que as empresas podem chegar a pagar 34% sobre o lucro apurado, somando o IR de pessoas jurídicas e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), além de já terem os encargos de outros tributos como ICMS, Cofins e IPI. “O IR sobre o lucro é apenas a última linha do pagamento de uma série de impostos pagos pelas empresas. Fora o que ela já pagou de impostos indiretamente, embutidos no valor dos insumos que necessita para operar. Dessa forma, fica difícil sobrar recursos do caixa para investir no próprio negócio”, diz ele.

Para o superintendente institucional e economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo, Marcel Solimeo, a elevada carga tributária, incluindo o IR , reduz recursos nas mãos dos consumidores e das empresas e os transfere para o governo, sem contrapartida na melhoria dos serviços públicos. Ele destaca que qualquer medida mais drástica de redução na tributação teria que passar pela redução dos gastos do governo, mas não dá forma como foi anunciado o corte de R$ 50 bilhões do orçamento da União. “Logo depois do anúncio do corte, o governo estabeleceu que fará um reajuste médio de 19,4% do benefício do Bolsa Família. E também um aporte de recursos de R$ 55 bilhões no BNDES. A verdade é que o corte efetivo deve ficar longe do que foi anunciado”, diz o superintendente.

O presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, João Eloi Olenike,
também cobra uma desoneração tributária que alivie o peso no bolso dos
contribuintes. “Nos últimos dez anos os governos retiraram da sociedade brasileira R$ 1,85 trilhão a mais do que a riqueza gerada no País”, afirma ele. Segundo estudo do IBPT, a participação dos impostos no PIB era de 30,3% em 2000 e passou 35,04% no ano passado.

Olenike destaca que o crescimento ocorreu tanto por conta do crescimento da economia, que proporcionou para empresas e assalariados, quanto pela melhoria dos sistemas de arrecadação, como a implantação da Nota Fiscal Eletrônica, que reduziu as possibilidades de sonegação de impostos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário