sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Classes de menor renda impulsionam compras parceladas

Paulo Fortuna
Para o Valor, de São Paulo

Sem a alternativa de poder financiar as compras em várias prestações, seria muito mais difícil para a faxineira Josy Lira de Jesus equipar a sua casa, assim como para a estudante de enfermagem, Priscila de Assis, comprar um computador e para a manicure Scheila Moraes conquistar a tão cobiçada nova TV. A compra parcelada deu mais fôlego ao taxista Rafael Zimmer para bancar a demanda de roupas do pequeno Raul, de um ano. Essas pessoas compõem o universo de consumidores que fizeram crescer, em 2010, a procura por crédito em 16,4%, o que mostra a forte recuperação em relação a 2009, quando a demanda teve um recuo de 1,2%, de acordo com indicador da Serasa Experian.

Segundo a Serasa, a demanda por crédito subiu em todas as faixas de consumo, mas o crescimento foi puxado pelos consumidores com renda menor e que foram beneficiados com a diminuição da informalidade no mercado de trabalho e, com isso, tiveram mais acesso aos financiamentos. Entre os que ganham até R$ 500,00 por mês, por exemplo, a alta foi de 46,3% sobre 2009.

A possibilidade de financiar compras com cartão de crédito fez com que a faxineira Josy Lira de Jesus partisse para a compra de uma série de bens para a casa. Televisão, cama, colchão e computador foram itens adquiridos com o dinheiro de plástico, em “compras parceladas sem juros”, garante ela. Josy diz que conseguiu aumentar a compra de bens com uma mudança na estratégia de financiamento: a troca dos tradicionais carnês pelo cartão. “Comprando com o carnê, eu até conseguia um prazo maior, mas o juro era muito alto” diz ela, que ainda tem que equilibrar o pagamento de todas estas contas com itens como o aluguel.

O casal Rafael Zimmer, taxista, e Gláucia dos Santos, ascensorista, não tem gastos com aluguel, graças ao auxílio das suas famílias para comprar uma casa própria, mas recorreram ao crediário por conta de uma despesa extra: o nascimento de Raul, que completou 1 ano e 6 meses. “Essa foi a melhor forma que encontramos para bancar as constantes compras de roupa para uma criança desta faixa de idade”, diz Zimmer, lembrando que todos os gastos do casal são decididos em conjunto.

A manicure Scheila Moraes e o seu marido, o mecânico Lauro Rodrigues, optaram por financiamentos mais longos para adquirir novos bens. Tanto o primeiro computador da família quanto a moderna TV de LCD estão sendo pagos em 24 parcelas. Scheila reconhece que o prazo de pagamento é longo e os juros são altos, mas acertou com o marido que, enquanto as prestações não forem quitadas, o casal não vai assumir nenhum outro compromisso financeiro pesado.

O gráfico Everton Corrêa e a estudante de enfermagem Priscila de Oliveira, casados há um ano, já tinham a casa montada, mas faltava um item importante: o computador. “Não há como cursar a faculdade atualmente sem ter um computador em casa. Até os trabalhos têm ser entregues pela internet”, diz Priscila. Como o pagamento à vista iria onerar demais o orçamento do casal, a solução foi parcelar em 12 vezes, com um cartão da bandeira da rede que vendeu a máquina. “Com um cartão de crédito comum, o prazo de pagamento seria menor e a prestação mais pesada”, explica Corrêa.

Mas as perspectivas para expansão do crédito em 2011 são mais modestas. O economista da Serasa Experian Carlos Henrique de Almeida lembra que o crescimento de 2010 ocorreu em cima da base de 2009 ainda afetada pelos efeitos da crise internacional. Ele destaca também que justamente onde houve maior crescimento de crédito, como na faixa de renda de até R$ 500,00 mensais, dificilmente a expansão será a mesma. “É uma parcela que estava praticamente à margem do sistema de crédito e passou a fazer parte do mercado. Mas a sua capacidade de endividamento é pequena”, ressalta Almeida.

Segundo dados da Serasa, já há sinais de desaceleração da expansão do crédito, ainda que num quadro de crescimento. Conforme o indicador da entidade, a quantidade de pessoas que procurou crédito cresceu 12,9% em janeiro de 2011 quando comparada com o mesmo mês do ano passado, ,mas esta foi a menor taxa de expansão anual dos últimos seis meses.

O economista aponta que o cenário geral é de crédito mais restrito neste ano. “Os juros estão mais altos, por conta das medidas de restrição ao crédito por parte do Banco Central e aumento da taxa Selic, além do crescimento da inadimplência”, afirma ele. De acordo dados da Serasa, a inadimplência do consumidor brasileiro cresceu 6,3% em 2010, na comparação com 2009. Em 2009, havia sido registrado um crescimento de 5,9% da inadimplência na comparação com 2008. Já em janeiro deste ano a alta foi de 24,8% sobre o mesmo período do ano passado, o maior crescimento anual desde julho de 2002. controle.

“A inadimplência responde por 32% do custo de formação do crédito e isso vai encarecer os financiamentos”, diz ele, ressaltando que no Brasil tradicionalmente o aumento da concessão de crédito é acompanhando de mais inadimplência. “Essa situação só poderá mudar quando for implantado o cadastro positivo, com a melhora da qualidade do crédito no País”, afirma o economista.

O especialista em crédito José Pereira da Silva, professor da FGV- EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), também acredita que os números relativos ao crédito para pessoas físicas em 2011 serão mais modestos do que no ano passado. Silva lembra que o aumento do crédito em 2010 ainda foi resultado dos estímulos do governo para combater os efeitos da crise em 2008 e 2009, mas a tendência atual é inversa, por conta da preocupação com a escala inflacionária. Silva ressalta que certamente a economia brasileira crescerá menos em 2011, com reflexos na geração de empregos e na formalização no mercado de trabalho, fatores que também ajudaram a impulsionar o crédito no ano passado.

Haroldo Torres, presidente da Plano CDE, empresa especializada em ações de mercado para os consumidores destas faixas de renda, acredita que os índices de endividamento no País ainda não são preocupantes. Para ele, os consumidores da classe E, que tiveram acesso recente ao crédito, têm pouca capacidade de se endividar e, com isso, menos chances de ficar inadimplentes. Segundo Torres,os maiores riscos estão entre os consumidores com renda mensal entre R$ 2 mil e R$ 3 mil que, simultaneamente, adquiriram nos últimos anos automóveis ou motocicletas, compraram imóveis - através de programas como o “Minha Casa, Minha Vida”, - e passaram a pagar ensino privado. “São pessoas que fizeram financiamentos de longo prazo e podem ter dificuldade em saldar todos estes compromissos nos próximos anos”, afirma ele.

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